Multas por cobrar nos transportes públicos ultrapassam 50 milhões de euros
Governo continua a trabalhar em solução para substituir modelo de cobrança pelo fisco criado em 2014, mas que nunca funcionou.
Quase três anos depois, o novo sistema de cobrança de multas nos transportes públicos continua sem funcionar. Resultado: há mais de 51 milhões de euros por reaver e quase 331 mil autos por processar. O Governo, que admite que este prolongado atraso tem consequências nas contas das empresas e aumenta o sentimento de impunidade, garante que está a finalizar a proposta de alteração ao processo de execução, reduzindo o número de coimas que passam pelo fisco.
Dados recolhidos pelo PÚBLICO mostram que há, neste momento, 51 milhões de euros por reaver, que deveriam ter sido pagos por passageiros que viajaram sem título válido. Os 331 mil autos de notícia que ficaram por processar desde que o novo modelo de cobrança foi criado, em Janeiro de 2014, continuam a formar pilhas nos escritórios das várias empresas do sector, públicas e privadas. As transportadoras do Estado têm sido as mais afectadas, acumulando até ao final do primeiro semestre deste ano multas no valor de 36,8 milhões que estão por cobrar.
Neste universo, a maior fatia cabe à CP (quase 90 mil autos de notícia num montante próximo dos 15 milhões de euros), seguindo-se a Metro do Porto e a STCP, que no conjunto são responsáveis por cerca de dez milhões. Já a Carris regista mais de 41 mil multas num montante de 7,8 milhões e a Metro de Lisboa ronda os 30 mil autos, com mais de quatro milhões em atraso. A Transtejo e a Soflusa, que gerem as ligações fluviais no Tejo, têm sido as menos penalizadas: 226 e 215 multas, respectivamente, com um valor acumulado de 80 mil euros. Nas empresas privadas, os montantes globais rondam os 14,3 milhões associados a mais de 90 mil autos, de acordo com dados da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (Antrop).
O atraso de dois anos e oito meses na cobrança destas multas ficou a dever-se a uma revisão legislativa que passou para o fisco a responsabilidade de executar os valores em dívida. A alteração, concretizada pelo anterior Governo PSD/CDS, era desejada há muito tempo, até pela eficácia que a administração fiscal demonstrava na cobrança de coimas nas portagens desde 2013. No entanto, o que pretendia ser a solução para a ineficiência do modelo anterior (em que a entidade responsável era o Instituto da Mobilidade e dos Transportes) veio a revelar-se um problema ainda maior.
Exigências e impasses
O fisco não chegou a cobrar uma única multa, pelas mais diferentes razões, que nunca foram ultrapassadas. Por um lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) exigia que os autos lhe fossem remetidos informaticamente e nem todos os operadores tinham capacidade para o fazer. Por outro, queria que fosse criado um modelo único para estes autos, nos quais teria sempre de constar o número de contribuinte. A ideia inicial era criar uma plataforma para o registo e lançamento das multas, que nunca viu a luz do dia. No sector dos transportes, assume-se ainda que não existia uma capacidade de resposta adequada da administração fiscal para lidar com um volume tão significativo de multas, mas com valores pouco expressivos.
As empresas foram pressionando o Governo (anterior e actual) para que fosse encontrada uma solução. Ainda no início deste ano, a Antrop remeteu ao Ministério do Ambiente um documento em que explicava os problemas que existem desde 2014 e sugeria alterações ao modelo de cobrança. Também no início deste ano, a tutela de Matos Fernandes pediu contributos aos operadores para se encontrasse uma solução. É que, apesar de estas coimas só prescreverem ao final de cinco anos, este atraso tem riscos, como o próprio executivo assume.
“Para além das consequências financeiras, em termos de perda de receita tarifária e da possível receita das contra-ordenações, o controlo da fraude é essencial para a correcta gestão e equilíbrio entre os diferentes agentes do sistema de transportes colectivos”, afirmou fonte oficial do ministério. A tutela sublinhou ainda que “é preciso garantir que a solução adoptada é realmente exequível pelas instituições e empresas envolvidas e que, na prática, a fiscalização tem consequências, evitando que o sentimento de impunidade se torne ainda mais dominante”.
O Governo garantiu ao PÚBLICO que está neste momento “a ultimar uma proposta de alteração do processo de execução /cobrança dos autos emitidos por utilização indevida dos transportes públicos colectivos”, que será “comunicada após validação dos diversos agentes envolvidos”. Sobre a solução, em concreto, o Ministério do Ambiente começou por dizer que o modelo actualmente em vigor, que faz da AT a única responsável pela cobrança, “demonstrou ser inadequada”, face “ao elevado volume de processos e à sua heterogeneidade processual”. A alternativa passará por “um mecanismo que reduza o volume e dificuldades processuais dos autos que necessitam de cobrança coerciva por parte da AT”, que terá sempre “um papel significativo no processo”, concluiu.