Cada cabeça, sua sentença. Assim vai a guerra colégios versus ministério
Ainda falta conhecer as decisões relativas à maioria das 20 providências interpostas, mas para já a confusão está instalada.
Quatro contra dois, segundo o Ministério da Educação (ME). Seis contra um, segundo os colégios. Na guerra jurídica entre os colégios financiados pelo Estado e o ME ninguém se entende. A começar pelos juízes que têm sido chamados a julgar as providências cautelares interpostas por aqueles estabelecimentos contra o despacho de matrículas, publicado em Abril, que restringe a frequência gratuita dos colégios aos alunos que residam na sua área geográfica. E a acabar na própria contabilidade (interpretação) que as partes envolvidas fazem das decisões já proferidas.
Comecemos por aqui. Em resposta ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação do ME frisa que das seis providências cautelares já decididas, quatro foram-no a seu favor. Estas contas ignoram o decretamento provisório, com a respectiva suspensão do decreto de matrículas, da providência cautelar interposta pelo Colégio de Campos, de Vila Nova de Famalicão, decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no início de Julho. O ME justifica esta opção alegando que a decisão do Tribunal de Braga não constitui uma sentença.
Já a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), que inclui Braga no seu balanço, considera que “das sete decisões judiciais apenas uma – a do Tribunal de Leiria – não dá razão às escolas com contrato de associação que recorreram à justiça”. Tal acontece porque tanto a tutela como os colégios reclamam vitória nas três sentenças assinadas juiz Carlos Castro Fernandes, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Este juiz decidiu não suspender o despacho de matrículas, facto que leva o ME a incluir estas sentenças no lote das que lhe são a favor, mas fê-lo por considerar que o diploma legal não terá efeitos nocivos - uma vez que os limites geográficos impostos pelo Ministério da Educação não existem legalmente. Uma interpretação que foi ignorada pelo ministério, mas que os colégios saudaram, uma vez que a inexistência legal desses limites significa que os alunos se podem matricular a custo zero mesmo em estabelecimentos privados fora da sua área de residência.
E quais são as duas decisões que o ministério admite que lhe foram desfavoráveis? A sua proveniência é também do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, tendo sido assinadas pelo juiz Tiago Lopes Miranda, que decidiu suspender os efeitos do despacho de matrículas . Em resposta ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação do ME já fez saber que o ministério vai interpor recurso destas duas sentenças junto do Tribunal Central Administrativo.
Do facto consumado aos prejuízos
O juiz Tiago Lopes Miranda acolheu os argumentos dos estabelecimentos financiados pelo Estado para garantir ensino gratuito aos seus alunos, dando como certo que a aplicação do despacho das matrículas levaria, a breve termo, ao seu encerramento, já que muitos dos estudantes não residem na área geográfica dos dois colégios. Sendo assim, estaria criado um “facto consumado”, antes mesmo do desfecho da guerra jurídica em curso entre os colégios financiado pelo Estado e o Ministério da Educação, tendo o TAFC considerado “legítimo” que os colégios o tentem evitar através de providências cautelares.
Mas o magistrado vai mais longe na sua ponderação, ao considerar que as novas normas de matrícula decididas pelo Ministério da Educação, e também a decisão de cortar financiamento a novas turmas de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º ano) serão provavelmente postas em causa pelos tribunais, o que também pesou na sua decisão de suspender os efeitos do despacho de Abril nos dois casos que decidiu.
Já a juíza Elaina Pinto, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, assinou uma sentença diametralmente oposta à de Coimbra, tendo optado por indeferir a providência interposta pelo Colégio Senhor dos Milagres por considerar que não foi dado como provado que aquele estabelecimento iria sofrer “prejuízos de difícil reparação” com a aplicação das novas normas de matrícula - que, de acordo com aquele estabelecimento, levaria à perda de 11 das 15 turmas financiadas pelo Estado.
Segundo o tribunal de Leiria, o colégio não demonstrou em que medida tal “poderá ocasionar uma situação de insolvência”, frisando também a este respeito que o estabelecimento poderá sempre realizar os “necessários reajustes, sobretudo em matéria de gestão de recursos humanos, adequando-os a menos turmas”. Apesar destas ressalvas, dá como possível “ a existência de um fundado receio de se constituir uma situação de facto consumado”, uma vez que a “perda de 11 turmas financiadas e de cerca de 263 alunos não poderá ser mais reparada, pois o tempo não volta para trás”.
Legais ou ilegais?
Este receio de facto consumado concretizar-se-á caso o colégio consiga provar em tribunal que as novas normas de matrículas são ilegais, questão que constitui o objecto da acção principal. Ora, para a juíza Elaina Pinto, também este processo parece estar condenado, prognóstico que contribui para ter indeferido a providência cautelar.
Ao contrário do juiz de Coimbra, Tiago Miranda, Elaina Pinto não considera que tenham sido violadas normas do Código do Processo Administrativo, o que a acontecer implicaria a ilegalidade do despacho das matrículas. Por outro lado, a magistrada de Leiria defende que um dos normativos do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, e evocado nas acções dos colégios contra o Ministério da Educação, “é de duvidosa constitucionalidade por um lado, e claramente contraditório com a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo”.
Em causa está o entendimento dos contratos de associação como “oferta pública de ensino”, conforme consignado no novo estatuto aprovado em 2013, e que segundo a juíza viola a lei de bases por não restringir a existência de colégios financiados pelo Estado às zonas com carência de escolas públicas. Acontece que a lei de bases do ensino particular e cooperativo, datada de 1979, também refere que estes contratos poderão existir mesmo em regiões onde haja oferta pública, o que não é referido na sentença de Leiria.