O “Trump Show”

Trump vende a ideia de um país num estado turbulento e danoso para mostrar que ele é a pessoa certa para o salvar. Mas, o país só precisa de ser salvo de uma coisa: ele próprio

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Sara D. David/AFP

Donald Trump é uma marca e vende-se melhor do que ninguém, é o vendedor do ano. O candidato tem, atrás de si, uma poderosa e gigante “máquina” de publicidade e é, naturalmente, um homem do “show business”. Tornou as presidenciais num “Trump Show”, e as câmaras, os jornalistas e os seguidores só querem mais, sempre mais. Querem saber o que tem para vender. Têm sede de espectáculo, de gritos, de exageros e discussões. Trump e a sua máquina vendem tudo, até a própria mãe se assim for necessário. Teatraliza as estratégias criadas por uma “máquina” que conhece muito bem o seu público.

Porque é que Trump não devia ganhar? Porque tem, atrás de si, uma poderosa e gigante “máquina” de publicidade mas que mascara uma marca que não tem nada para vender. Porque Trump tornou as presidenciais num “Trump Show” pela conduta inapropriada, pela argumentação extremista, pela promessa de uma Terra que não será alcançada. Porque deveríamos reconhecer que os seus discursos são vazios e por termos aprendido a lição que a História nos ensinou. Porque se comprarmos o produto, vamos querer devolvê-lo quando o usarmos. Só que a devolução não é permitida.

Donald Trump, e toda a sua equipa, oferecem algo que é irrecusável para os seus apoiantes: um país onde todos viverão seguros, onde o cheiro a bolo da avó serpenteia pela janela e delicia as crianças que brincam no jardim do bairro. Um país onde estes bairros são solarengos, cheios de relva e flores, os vizinhos cordiais e polidos. Onde os problemas se varrem para debaixo do tapete e por isso tudo reluz, tudo se resolve e progride. E o perfume das gardénias mitifica os momentos, releva a nostalgia e aquece os corações. Ninguém precisa de ter medo, a segurança, a rectidão e a rigidez andam de mãos dadas.

Utopias, ideias vendidas a preço de ouro: Donald Trump não devia ganhar as eleições. Donald Trump, e toda a sua equipa, oferecem algo que é impensável para os seus opositores: um país onde todos viverão na insegurança da intransigibilidade e alteração caprichosa e irresponsável das regras. Onde o cheiro a bolo da avó não existe porque os “velhos” não servem para nada e há bolos prontos nos hipermercados; onde as crianças não brincam cá fora porque as auto-estradas ocupam o espaço dos jardins; onde os bairros são cinzentos e néon da industrialização, cheios de poluição resultado da produção acelerada e crescente. Onde os problemas desaparecem através de medidas desadequadas e plenas de interesses políticos e económicos. Onde o sol quando nasce não é para todos. É um atentado aos direitos humanos. E o perfume serve para esconder a morbidez da mentira, da vergonha, da desonestidade.

Toda a gente precisa de ter medo, pois a ditadura, a injustiça e a desigualdade andam de mãos dadas. Infelizmente, ainda não conseguimos aceitar que tomamos decisões guiados pela emoção e não com base na racionalidade. Somos conquistados pela exasperação, pela luta de gladiadores, pela sagacidade, pelas narrativas plenas de personagens sofridas mas vitoriosas. Somos levados pela histeria coletiva, pelo erro da generalização e do julgamento rápido. Pelo dramatismo e pelo egoísmo. E Trump pode ganhar as eleições. Mas não devia, porque já deveríamos conseguir tomar decisões racionais e não apenas emocionais. Já sofremos e carregamos o peso de erros fatídicos e inenarráveis. Porque devíamos ser conquistados pelos factos, pela solidez da verdade, pelo julgamento justo e imparcial, pela consciência de que a liberdade é um direito. Pelo simples facto de que a decisão implica um futuro que carrega em si a vida e a morte, o sonho e a expetativa, a paz ou a trepidação da violência. Trump vende a ideia de um país num estado turbulento e danoso para mostrar que ele é a pessoa certa para o salvar. Mas, o país só precisa de ser salvo de uma coisa: ele próprio.

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