Matemático, estomatologista e físico condecorados por Marcelo

Condecorações entregues esta sexta-feira a Eduardo Veloso, António de Vasconcelos Tavares e Luís Oliveira e Silva. “Reconhecer os professores e investigadores é reafirmar a importância da educação e da ciência para o futuro do país e da Europa”, nota o último.

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Insígnias do grau de grande-oficial da Ordem da Instrução Pública DR
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Insígnias do grau de comendador da Ordem da Instrução Pública DR

Comecemos pelo decano. Eduardo Veloso, matemático de 88 anos, é uma das três personalidades do mundo da ciência que são distinguidas esta sexta-feira à tarde, em Lisboa, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a Ordem da Instrução Pública. Segue-se-lhe, falando de idade, o médico estomatologista António de Vasconcelos Tavares, de 71 anos, e o físico Luís Oliveira e Silva, de 46. Esta ordem honorífica galardoa quem se destacou pelos seus serviços prestados “à causa da educação ou do ensino”. Todos nascidos na capital, eis os novos condecorados.

Eduardo Veloso, e a matemática para todos

Ao matemático e professor, Eduardo Veloso junta o divulgador e o comunicador de ciência (além de outros interesses, como a fotografia e a astronomia). “Faço um esforço para ajudar a educação e a matemática em Portugal há muitos anos; faço o que posso. Mas confesso que não dou muito significado a condecorações”, diz-nos Eduardo Veloso, que é distinguido com o grau de comendador.

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Eduardo Veloso tem na fotografia outra das suas paixões Margarida Dias

Licenciado em matemática em 1951, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), fez o percurso profissional como matemático na TAP: durante 34 anos, integrou as tripulações como navegador, profissão que dava indicações aos pilotos sobre as rotas e que existiu até aos anos 70. Quando essa profissão deixou de existir, alguns anos antes de Eduardo Veloso se reformar da TAP, aos 60 anos, foi técnico de voo. Mas o gosto pelo ensino e pela divulgação da matemática estive sempre presente, pelo que, ainda nos seus anos na companhia aérea portuguesa, deu algumas aulas no Departamento de Educação da FCUL. Quando se reformou, inscreveu-se ali como aluno livre no mestrado em educação da matemática. E assim ficou ligado ao ensino da matemática.

Em 1986, esteve entre os membros fundadores da Associação de Professores de Matemática – “onde tenho trabalhado desde então, escrevo artigos, livros…” Esse trabalho tem envolvido também a formação de professores e a preparação de currículos experimentais. Tem vários livros publicados para professores de matemática, como Geometria: Temas Actuais (2000), Simetria e Transformações Geométricas (2012) e Conexões da Geometria – A Recta Real (2014).

O seu papel como divulgador da matemática para muita gente também passa pelos meios de comunicação social. No PÚBLICO, foi um dos três criadores da rubrica Desafios – com o matemático José Paulo Viana e a ilustradora Cristina Sampaio –, que existe desde o início do jornal, em Março de 1990. Esta rubrica, que ainda se mantém com José Paulo Viana e Cristina Sampaio e que todos os domingos apresenta um problema de matemática que não exige formação específica para a sua resolução, valeu aos seus três autores o Prémio Ciência Viva nos Media de 2014.

Os Desafios originaram jogos matemáticos organizados em escolas pelo país e os problemas publicados no jornal estão reunidos em dez livros. Em 1996, Eduardo Veloso deixou os Desafios. “Por nenhuma razão especial, tinha outras coisas a fazer. Faço fotografia, o outro grande interesse meu. Gosto muito de astronomia.” A fotografia levou-o aliás à Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual em Lisboa, como aluno e professor. Sobre Eduardo Veloso, o comunicado da agência Ciência Viva relativo ao prémio dizia que “é um dos pioneiros da divulgação da matemática em Portugal, tendo mantido colaborações na imprensa escrita e na televisão”.

Precisamente nos tempos iniciais da televisão, já Eduardo Veloso fazia um programa semanal. Era o TV Educativa. Por volta de 1966, e durante um ano, falou de matemática. (Como curiosidade, os seus dois irmãos também tinham programas televisivos: Manuel Jorge Veloso, o TV Jazz, e José Sousa Veloso o TV Rural. Nos estúdios chamavam-lhes, a brincar, o Matuta, o Batuta e o Batata).

António de Vasconcelos Tavares, um médico feliz

Quanto a António de Vasconcelos Tavares, diz sentir-se honrado com a distinção que lhe é atribuída, o grau de grande-oficial da Ordem da Instrução Pública. “É uma grande honra, que aceito com muita gratidão, emoção e, ao mesmo tempo, humildade. Irei juntar-me a uma galeria de grandes nomes do ensino em Portugal e faz-me sentir humilde perante todos os outros.”

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António de Vasconcelos Tavares é professor emérito, desde Maio, da Universidade de Lisboa Shamila Mussa

Licenciado em medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1969, especializou-se em estomatologia em 1973 e doutorou-se em 1994 naquela faculdade, com um estudo comparativo sobre implantes dentários de óxidos de alumínio e cerâmica de zircónio, tendo antes feito o mestrado em prostodontia fixa e implantologia da Faculdade de Medicina Pitié-Salpêtriére de Paris VI. De 1994 a 2000, foi o presidente da Associação Internacional de Estomatologia.

Foi o principal impulsionador, na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, da investigação em saúde oral, que culminou na actual Unidade de Investigação em Ciências Orais e Biomédicas. E, de 2002 a 2009, foi o director daquela faculdade.

Professor catedrático desde 2000, do seu currículo há a destacar os cargos que ocupou na reitoria da Universidade de Lisboa durante 12 anos – primeiro como pró-reitor, de 2002 a 2009, e depois como vice-reitor, de 2009 a 2013. Ou seja, até à fusão entre a Universidade de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa. “Orgulha-me muito ter contribuído como coordenador de um dos grupos de trabalho que preparou a estratégia para a fusão das duas universidades.”

Além de ter vários artigos e livros sobre medicina dentária (como Manual de Urgências em Medicina Oral, de 2015, que coordenou) e de outros cargos e iniciativas em que esteve envolvido, foi dirigente desportivo. Presidiu, por exemplo, à Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (1997-2006) e foi membro do Conselho Mundial do Desporto Automóvel da Federação Internacional de Automobilismo (2001-2013).

No ano passado, ao chegar aos 70 anos, jubilou-se. E este ano, em Maio, já recebeu o título de professor emérito da Universidade de Lisboa. “Confesso que é um pouco melancólico e talvez angustiante atingir o jubilado ainda em pleno vigor intelectual e por se assemelhar a um ocaso ou a uma extrema-unção profissional, apesar de representar o justo prémio do trabalho efectuado e o directo ao repouso”, dizia nessa altura numa entrevista no site da Ordem dos Médicos Dentistas. “Só por caprichosa ironia de uma antífrase é que a palavra ‘jubilação’ pode significar, a um tempo, alegria e tristeza, recompensa e castigo, esperança e decepção. Em síntese: jubilação sem júbilo”, acrescentava.

“Clínico espero continuar a ser, enquanto a mente comandar as mãos e estas obedecerem sem hesitações nem tremuras”, contava ainda na entrevista, explicando que gostaria de continuar ligado à investigação que tinha ajudado a criar e a acompanhar projectos de alunos de doutoramento. É numa clínica em Lisboa, o Instituto de Implantologia, que se mantém a trabalhar. “Não tenho o mínimo tremor nas mãos. Está tudo bem”, diz-nos agora, com um humor discreto. “Estou muito feliz, muito feliz, ainda por cima a esmagadora maioria [dos médicos da clínica] foram meus alunos. Sou um bocadinho mimado.”

Luís Oliveira e Silva, três patentes nos lasers

O mais novo dos condecorados, Luís Oliveira e Silva, também com o grau de grande-oficial da Ordem da Instrução Pública, é professor catedrático do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST, em Lisboa) desde os 41 anos. Há cinco anos, portanto. No IST, além de presidente do conselho científico desde 2013, lidera o grupo de lasers e plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear.

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Luís Oliveira e Silva obteve duas super-bolsas de investigação europeias desde 2010 DR

É pois na interacção de lasers e feixes de partículas com plasmas que se têm centrado as contribuições de Luís Oliveira e Silva, que fez a licenciatura em engenharia física tecnológica em 1992 e se doutorou em física em 1997, no IST. Depois, até 2001, esteve na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA, nos EUA). Além vários outros cargos e distinções, salienta-se o Prémio Científico IBM de 2003.

“Sinto um enorme orgulho pelo reconhecimento, que é também das pessoas que me inspiraram: da minha família, amigos, professores e mentores do IST e da UCLA, da minha equipa e colegas professores do Técnico”, diz sobre a condecoração. “É também um incentivo para contribuir mais, como professor, cientista e cidadão, para o futuro da minha instituição e do país”, acrescenta. “Numa altura em que os nossos valores como europeus são colocados em causa, torna-se mais importante celebrar aquilo que é central para a nossa visão do país e da Europa. Reconhecer os professores e investigadores é reafirmar a importância da educação e da ciência para o futuro do país e da Europa.”

Autor de mais de 180 artigos científicos em revistas com avaliação pelos pares, é co-inventor de três patentes, em Portugal. “Duas propõem métodos alternativos para gerar raios-X para fazer imagens de alta velocidade e alta resolução baseados em lasers”, explica. “A outra patente propõe um método de separação de isótopos, com elevada pureza, recorrendo a lasers de alta intensidade. A separação de isótopos é um processo fundamental, por exemplo, para qualquer aplicação de medicina nuclear. O método que propomos é particularmente interessante devido ao grau de separação que é possível atingir.”

Nos últimos anos, obteve duas das cobiçadas bolsas do Conselho Europeu de Investigação, em 2010 uma de 1,6 milhões de euros e este ano outra de 1,95 milhões.

A divulgação científica é outro dos interesses de Luís Oliveira e Silva, de que é exemplo a sua participação na organização da exposição À Luz de Einstein: 1905-2005, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A leitura, a música e a corrida também o são. “Mas como agora sou pai de gémeas de quatro anos, a Ema e a Eva, o tempo para os hobbies diminuiu apreciavelmente.”

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