Sistema de ensino superior é "selectivo" e "discriminatório"
Investigador defende que selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos para uma "melhor representação da sociedade".
O sistema de ensino superior português é "altamente selectivo" e "discriminatório", afirmou um investigador da Universidade de Coimbra (UC), considerando que se deve abandonar o uso exclusivo de numerus clausus, que favorece os alunos das "classes mais altas".
O sistema de ensino superior português foi criado numa lógica de "massificação e democratização sem igualdade", registando-se uma "sub-representação" das classes mais baixas da sociedade que resulta, em parte, da utilização do numerus clausus como mecanismo único "de selecção", disse à agência Lusa um dos coordenadores do livro Sucesso e abandono no ensino superior em Portugal, José Manuel Mendes.
O livro, que se centra num projecto de investigação financiado pelo Ministério do Ensino Superior e que decorreu entre 2008 e 2010, identifica uma falta de representação da sociedade portuguesa no ensino superior, sendo que cerca de 46% dos alunos são filhos de profissionais liberais (profissões exercidas no público ou no privado que exigem qualificações superiores, com alguma autonomia e capacidade de supervisão).
No entanto, "estes apenas representam 28% da população trabalhadora", constatou, referindo que os filhos de operários constituem 15% a 20% do universo do ensino superior, quando esta classe representa "cerca de 30%" de todos os trabalhadores em Portugal.
Os resultados foram identificados no estudo, que teve como amostra alguns cursos da Universidade Técnica de Lisboa, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e da Universidade de Coimbra.
De acordo com José Manuel Mendes, em cursos de medicina ou de arquitectura a sub-representação é ainda mais gritante, em que "não há praticamente filhos da classe operária", apresentando-se como "licenciaturas ultra selectivas".
Apesar de a entrada estar definida com base no número de vagas, isso acaba por afectar os alunos das classes mais baixas, que têm "menos condições" para alcançar notas elevadas (como por exemplo uma maior dificuldade de acesso a explicações), acentuadas por um sistema de ensino obrigatório que também é feito "para as classes mais altas", enfatizou o investigador.
Segundo José Manuel Mendes, a selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos, "como se faz noutros países", de forma a tentar garantir uma "melhor representação da sociedade" no universo de estudantes que frequenta o ensino superior.
A investigação que deu lugar ao livro lançado recentemente conclui que "o sucesso no ensino superior não está relacionado nem com o sexo nem com a classe social", mas com a "forma como os estudantes se percepcionam e se inserem no sistema de ensino", nomeadamente a preparação, motivação e estratégias pedagógicas que definem, afirmou.
Já o abandono no ensino superior é influenciado pelo efeito de classe, com o contexto económico de cada aluno a aumentar a probabilidade de este abandonar ou não o curso.
"Se a questão das bolsas não afecta as elites, já para os bons alunos de classes mais baixas, se são confrontados com a diminuição da acção social, podem ser afectados", constatou, sublinhando que, no caso português, se o aluno tem uma bolsa é "praticamente garantido o sucesso", mas se "não tem, vai trabalhar" e isso poderá aumentar as probabilidades de abandonar o ensino superior, enfatizou.
O livro que analisa o sucesso e abandono no ensino superior português foi publicado pela Almedina.