Quando me disseram que o jogo Pokémon Go era de “realidade aumentada” nunca pensei na quantidade de formas em que isto podia mesmo acontecer. Eu chamar-lhe-ia antes “realidade salientada”. A verdade é que este fenómeno virtual, para além de rabos das cadeiras, veio também levantar outras questões pertinentes sobre a anatomia desta geração que chega agora aos 30.
Falo, claro, dos “Pokémon-Haters”. Ao contrário das expectativas, enquanto os sexa, septa e octagenários se recostam calmamente a apreciar este hilariante espetáculo, parece ser a camada dos mais jovens adultos a levar as mãos à cabeça e a temer pelo final dos dias como se tivessem ouvido heavy metal pela primeira vez. Através das redes sociais de que dispõem nos seus smartphones revoltam-se contra uma era tecnológica cujo público alvo, pela primeira vez, não os contempla.
Não sendo uma poke-fan, confesso que também não estava à espera tão cedo de um discurso tão reacionário por parte de uma geração que presenciou o desabrochar da internet, entre outras modernices. Será este o primeiro fenómeno de ódio geracional motivado pela nostalgia informática?
O Pokémon Go veio solucionar vários problemas típicos das novas juventudes como o sedentarismo e o isolamento. De tal forma o fez que começam a aparecer alguns percalços à moda antiga como quedas de penhascos e naifadas ocasionais. Incidentes imemoriais que, dantes, só aconteciam a quem não dispunha de TV a cores em casa.
Por outro lado, é inegável que estes jogos são financeira e ecologicamente sustentáveis, promovem a atividade física aliada ao turismo local e, em casos extremos, podem até substituir o uso de drogas.
Mediante isto, criticar o pokémon é uma tarefa complicada que se torna um hobby por si só e cujos praticantes (talvez por ainda ser recente) não o dominam na perfeição. Daí que os seus argumentos não tenham ganho prémios no campo da lógica ou da retórica ... A arma mais usada é o “se em vez de”... Pessoalmente, não tenho nada contra suposições, apoio até qualquer iniciativa que apele à criatividade e à imaginação mas, quando usada como argumento, deixa muito a desejar. Se abrirmos a porta das suposições, somos obrigados a questionar todo o resto das nossas acções: “e se em vez de ver uma série fossemos limpar as praias? E se em vez de ir ver o jogo ao estádio fossemos dar de comer aos sem abrigo? “e se em vez de ter filhos adotássemos?”
Isto é visível em campanhas como as de adoção de animais da Associação Animais de Rua (“Queres treinar um pokémon a sério?”) ou outras como as de apoio às crianças sírias. (“Há muitos pokémons na Siria; vem salvar-me”) . Ainda que bem intencionadas (e fechando os olhos ao facto da permissa do Pokémon assentar, basicamente, no aprisionar os bichos dentro de bolas das quais só saem para lutar uns com os outros), estas campanhas assentam num falso argumento. Por muito que custe, mentalizem-se que as pessoas que jogam pokémon o fazem porque querem e não porque estão à procura de alternativas para passar o tempo.
O Pokémon é realidade aumentada porque nos deu mais uma lupa para vermos de perto um outro aspeto da nossa própria evolução.