De Erdogan a Marine Le Pen

No Ocidente estamos cheios de cinismo, coisa que não se deve confundir com diplomacia.

É uma irreprimível tentação associar as imagens de Erdogan na sua chegada triunfal a Istambul, depois do golpe militar falhado, com as imagens de Hitler a voltar a Berlim, em 1944, após o também gorado golpe militar liderado pelo coronel Von Staufenberg.

Erdogan é um ditador islamita, com especial rancor pelo Ocidente e pelos valores laicos que nos regem. É um autocrata, inspirador do ISIS, algo mais próximo do sultão de um califado do que de um Presidente eleito de uma república. Não será exagerado designá-lo como um fascistóide, cujo extremismo mal disfarça.

É um facto que não há nenhuma simpatia na Europa e nos EUA por Erdogan. Por isso, passámos do sincero desejo de sucesso do golpe — admitindo, por ora, que não foi uma encenação — para, de um modo algo constrangido, aceitar que, afinal, o mau tinha ganho. Por razões tácticas (o acordo de troca de refugiados, por dinheiro) e estratégicas (a importância da Turquia na NATO), alguns políticos e até comentadores lembravam que afinal Erdogan havia sido democraticamente eleito e que um golpe militar não é meio legítimo para derrubar um Presidente eleito.

E aqui chegamos ao primeiro erro grave. Hitler, que aqui referimos como exemplo, não tomou o poder através de um golpe de Estado. De facto foi eleito, por voto secreto e universal. Em 1933, o partido nazi obteve mais de 34% dos votos e constituiu um governo legítimo, apoiado por partidos conservadores alemães. Julgava a direita alemã que poderia usar Hitler para acabar com os comunistas e, depois do trabalho feito, mandavam discretamente o cabo Hitler de volta a casa. Viu-se.

Uma vez legitimado democraticamente no poder, a principal tarefa de Hitler foi destruir, imediatamente, o sistema que usou para se fazer eleger. Se o golpe militar de Von Staufenberg tivesse ocorrido em 1933, também seria uma acção ilegítima? Afinal, o Sr. Hitler tinha sido democraticamente eleito. Convém, por isso, termos cuidado com certos simplismos.

Mais recentemente, na Argélia, em 1992, um golpe militar impediu os islamitas da FIS de tomar o poder, para o qual tinham sido democraticamente eleitos. Isto, claro, antes que tais fanáticos fizessem um banho de sangue no país. No Egipto, em 2012, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, também democraticamente eleito, foi deposto pelos militares, depois de uma curta experiência governativa que, a continuar, levaria o Egipto ao caos.

Mas no Ocidente estamos cheios de cinismo, coisa que não se deve confundir com diplomacia. Propusemos e negociámos com Erdogan um acordo sobre refugiados, que contraria todas as convenções de protecção em que os europeus e os norte-americanos foram pioneiros e que assinaram desde 1951.

O segundo erro são as classificações que convenientemente adoptámos no Ocidente sobre islamitas. Há os moderados, os que "não se sabe bem" e os radicais. Se assim continuamos, temos de rever a História, e também teremos fascistas moderados, nazis civilizados e racistas tolerantes.

Sejamos claros: islamitas são as pessoas, (elites políticas, clérigos ou povo) que professando a religião de Maomé não aceitam a separação entre a Igreja e o Estado. Entendem que todos os cidadãos, quer professem ou não tal religião, têm de sujeitar a sua vida e os seus comportamentos às leis e aos costumes inscritos no Corão. Quem assim pensa, seja radical ou moderado, é inimigo (não se tenha medo das palavras) da nossa liberdade. Sejam estes inimigos da nossa liberdade uma minoria ou a maioria de um povo, o ódio à liberdade não deixa de ser ódio, só por ser professado por uma maioria.

O terceiro erro é a complacência com gente como Erdogan. Em 1941, Churchill foi profundamente pressionado, (com excepção de Anthony Eden) pela direita inglesa e antes por Eduardo VIII, para pactuar com Hitler e deixar o resto da Europa sob o jugo da tirania nazi. Para não ceder à submissão, para a qual os seus próprios pares da direita o queriam empurrar, não hesitou em recorrer ao apoio dos ministros da esquerda trabalhista, para rejeitar qualquer pacto ou complacência com o regime nazi.

Os actuais líderes das democracias ocidentais (EUA, França, Alemanha e Reino Unido, especialmente) estão dispostos a combater realmente os islamitas? Para o que não basta certamente fazer obituários pomposos, funerais de Estado, missas e lamentos. Ou preferem que isso seja feito por "amigos da liberdade" como Marine Le Pen ou Donald Trump?

Jurista

Sugerir correcção
Ler 2 comentários