Quem paga os autocarros da CGTP?
O colinho do Estado, de facto, é muito vasto e atraente – e dá para todos.
A 10 de Novembro de 2015 caiu o segundo governo de Pedro Passos Coelho, 11 dias após ter tomado posse. Nessa tarde, em frente ao Parlamento, uma vasta manifestação da CGTP celebrou o acontecimento, em nome da “rejeição das políticas de direita”. Tal manifestação mostrou uma CGTP felicíssima no seu papel de bengala sindical do PCP, aceitando servir de cenário à queda de um governo que nem sequer tinha começado a governar, e demonstrou a total falta de pudor com que os meios das autarquias são colocados ao serviço dos sindicatos amigos.
Nesse dia, o DN dava conta de uma circular do Agrupamento de Escolas de Montemor-o-Novo onde os pais eram informados que nem o transporte escolar, nem o fornecimento de refeições, nem os prolongamentos de horário estavam assegurados na tarde de dia 10, já que a câmara dera dispensa aos funcionários do município para poderem ir à manifestação. Mais: também oferecera gratuitamente transporte até ao Parlamento nos autocarros da câmara. O mesmo fizeram os municípios de Évora e de Vila Viçosa (pelo menos), todos eles liderados por executivos comunistas. O PCP é contra o assalto aos meios do Estado para fins ilegítimos, mas como considera que todos os seus fins são legítimos, nunca pratica actos ilegais.
Felizmente, há cidadãos portugueses que pensam de forma diferente, e um grupo deles apresentou queixa no Ministério Público contra as três câmaras referidas. Segundo os autores da queixa declararam ao Observador, “as manifestações são completamente legítimas, mas os bens públicos não podem estar ao serviço de interesses partidários”. Por isso, consideram que está em causa um crime de peculato, já que as três autarquias usaram “bens do erário público para fins para os quais não estão destinados”. Nenhuma das câmaras nega a cedência gratuita dos autocarros nem a dispensa dos trabalhadores, mas a de Évora justificou-se com o argumento de que o tratamento dado à central sindical foi o mesmo que costuma ser aplicado às associações do distrito. “Têm sido isentos de taxas diversas associações culturais, sociais, desportivas e religiosas, entre outras”, afirma o presidente da autarquia, Carlos Pinto Sá.
Ora, eu também acho a CGTP bastante parecida com um rancho folclórico, mas não estava à espera que um autarca comunista o admitisse tão facilmente. Pelos vistos, Carlos Pinto Sá não vislumbra diferenças substanciais entre o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e, sei lá, a Associação Columbófila do Distrito de Évora. Vindo de um comunista, compreende-se, até porque tudo deve estar ao serviço do partido, seja pombo ou cantoneiro. Mas, para um liberal, esta indiferenciação entre estruturas sindicais e partidárias e a sociedade civil causa arrepios na espinha. E causa arrepios para os dois lados: nem uma câmara deveria disponibilizar autocarros e funcionários para manifestações contra ou a favor de um governo, nem um sindicato deveria andar a pedinchar veículos e pessoas a uma entidade com a qual é suposto negociar e confrontar-se.
O colinho do Estado, de facto, é muito vasto e atraente – e dá para todos. Uns usam o Estado para satisfazer interesses privados, outros para satisfazer interesses partidários, outros ainda para satisfazer interesses sindicais. E acontece isto: a CGTP a aproveitar-se do Estado para se manifestar contra aqueles que se aproveitam do Estado. É peculato? Não sei. É caricato? Oh, sim. E muito.