Supremo reconhece direito de nascituro a ser indemnizado
Infraestruturas de Portugal foi condenada a pagar 67.800 euros a menor cujo pai morreu num acidente de viação em 1998, numa altura em que aquele se encontrava ainda na barriga da mãe.
Um bebé que se encontre no ventre materno tem direito ser indemnizado pelos danos resultantes da morte do seu pai, quando esta ocorre antes do seu nascimento? O Supremo Tribunal Administrativo (STA) entendeu que sim e condenou a Infraestruturas de Portugal ao pagamento de 67.800 euros a um adolescente que, mais de uma década depois da morte do seu pai, num acidente de viação, em Ponte de Lima, reclamou uma indemnização por danos não patrimoniais e por ter ficado privado da respectiva prestação alimentar.
Na primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto concordou com a empresa pública responsável pela gestão da rede rodoviária, segundo a qual um nascituro não pode ser titular de direitos, posto que “tal titularidade decorre da personalidade jurídica e esta só se adquire com o nascimento”. O STA discordou e sentenciou que um nascituro “adquire retroactivamente todos os direitos que pertençam ou sejam reconhecidos ao filho biológico, a partir do seu nascimento completo e com vida”. Dito doutro modo, “os factos decorrentes de responsabilidade, que tenham ocorrido no período em que ainda só havia nascituro, não arredam este, depois de nascido, de accionar o direito a ser indemnizado como filho”.
A matéria em julgamento recua a 9 de Março de 1998. Por volta das 0h30 da madrugada, um motorista de profissão com 25 anos de idade, seguia na Estrada Nacional n.º 202, em Arcozelo, em Ponte de Lima, quando a sua viatura embateu contra uma tampa de saneamento assente numa estrutura cilíndrica a uma altura de cerca de cinco centímetros do solo. Do embate resultou o despiste do automóvel e a morte imediata do condutor.
Tampa de saneamento já teria provado mais acidentes
Naquela altura, a sua namorada, então com 26 anos, estava grávida e o filho de ambos viria a nascer no final daquele ano. Na primeira instância, o tribunal deu como provado que que aquela tampa de saneamento estava há mais de ano e meio no local e já teria provocado vários outros acidentes.
A vítima era “saudável, ágil e robusta” e auferia um salário de 798 euros, conforme se lê no acórdão do STA. A namorada não chegou a casar. O filho cresceu sem a presença do pai. No pedido de indemnização, os dois reclamavam 17.500 euros pelos danos sofridos pela vítima nos momentos que precederam a morte, mais 50 mil euros pela perda do direito à vida do motorista. A estas quantias, acresciam 37.500 euros de indemnização ao filho por ter crescido privado do seu pai. E ainda 94.272 euros a título de prestação alimentar, calculada em 250 euros mensais, até que o menor perfizesse 27 anos de idade.
Na primeira instância, o tribunal apenas obrigou a então Infraestruturas de Portugal (então Estradas de Portugal) ao pagamento de 50 mil euros e considerou que o menor não tinha direito a indemnização porque não dispunha de personalidade jurídica aquando da morte do seu pai. Em causa estava o Código Civil que dispõe, no nº2 do artº 496: “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes”.
Os juízes do STA, para onde seguiu o recurso, consideraram que o legislador não distinguiu se se trata de filhos já nascidos à morte do pai ou já concebidos mas nascidos em data posterior "de forma consciente" e por não ignorar que "os danos morais decorrentes da morte do pai são precisamente iguais para o filho que nasceu um dia antes desse óbito ou para o que nasceu um dia depois dele".
Por isso, condenaram aquela empresa pública ao pagamento de 30 mil euros ao menor por dano não patrimonial resultante da privação física do pai ao longo da sua vida. Quanto à pensão de alimentos, os juízes consideraram excessivos os 94.272 euros reclamados, e, com base numa perspectiva de pagamento de pensão de 150 euros mensais até que o menor perfizesse 18 anos, obrigaram o consórcio ao pagamento de mais 37.800 euros.