Depois de duas edições que “não podiam ter corrido de melhor forma”, o congresso Keep It Simple, Make It Fast (KISMIF) regressa esta semana ao Porto, propondo-se a debater, uma vez mais, o punk e as culturas DIY (“Do It Yourself)”. E sim, ainda há muito para dizer, conhecer e reflectir, e muitos para o ouvir. “Tem sido uma surpresa. Não pensávamos que houvesse tanta gente a investigar estes temas e tanto interesse em saber mais sobre isto”, diz, ao P3, Paula Guerra, socióloga e investigadora que coordena o evento, ao lado de Andy Bennett, uma referência no estudo das culturas juvenis, música e identidade.
De 17 a 22 de Julho, sob o tema “DIY Cultures, Spaces and Places”, vai discutir-se a influência do território na música e cultura underground. Foram recebidas cerca de 200 comunicações oriundas de mais de 30 países que vão ser apresentadas durante estes dias na Casa da Música e na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), abordando referências tão diversas quanto as migrações, a memória, a retromania, as diversas práticas DIY e até as audiências e festivais.
Entre os principais oradores convidados (“quase todos mulheres”, evidencia Paula), estão três músicos britânicos, que à sua maneira personificam culturas “contrahegemónicas”: mais que cantor, o activista do folk Billy Bragg, o DJ e documentarista Don Letts, profundamente ligado à emergência do punk e reggae, e Steve Ignorant, fundador dos Crass, que também actua na terça-feira, no Teatro Rivoli, com a sua nova banda, Slice of Life. “Não costumámos ter músicos e eles não costumam marcar presença nas conferências. É uma forma de também chegarmos à sociedade”, comenta Paula.
Mas o KISMIF não se fica pela forte componente científica multidisciplinar, pelo contrário. Até porque, para além do “estudo e análise”, há música “em acto” por todo o programa, seja em forma de filmes, actuações, livros e exposições. Nos concertos, a semana começa com o documentário “The Parkinsons: a long way to nowhere”, no Rivoli, seguido de uma prestação ao vivo da mítica banda portuguesa. Depois, ainda veremos, como dissemos, Steve Ignorant em modo Slice of Life, Don Letts a dar uma lição na pista de dança do Rádio (19 de Julho) depois da exibição do seu “PUNK: Attitude”, e muito mais. Tudo termina na festa de encerramento, dia 22, no Plano B com Vaiapraia e as Rainhas do Baile, The Act-Ups e djset de Sons of Chaputa.
Haverá ainda tempo para ver oito exposições, entre as quais “O princípio do fim”, de Miguel Januário aka MAISMENOS, patente de 17 de Julho a 7 de Agosto no Palacete Viscondes Balsemão, “All We Ever Wanted Was Everything”, da fotógrafa Vera Marmelo, que assim mostra o seu trabalho pela primeira vez no Porto (Teatro Rivoli, até 22 de Julho), e "A Liturgia do Delírio" de Esgar Acelerado, na FLUP. A biblioteca da instituição acolhe também uma mostra dedicada ao grunge e pós-grunge. A inauguração é na quarta-feira, 20 de Julho, dia em que são também apresentados os livros “The Man Who Sold the World”: music, memory and heritage”, de Paula Guerra, “Grunge: Music and Memory”, de Catherine Strong, e “Route 666: on the road to Nirvana”, de Gina Arnold. De facto, um pormenor que “também se tem vindo a afigurar importante”, descreve a investigadora, é o lançamento mundial de livros no KISMIF por sugestão dos próprios autores. Este ano há pelo menos uma apresentação todos os dias. Depois, no dia 22, segue-se a "summer school" “Mappin’ Your Own Underground!”, onde estudantes podem discutir as suas investigações com figuras de destaque da área. O programa extensíssimo pode ser consultado aqui.
Financiado pela Fundação para a Ciência Tecnologia, e desenvolvido pelo Instituto de Sociologia da FLUP em parceria com instituições como o australiano Griffith Centre for Cultural Research ou a espanhola Universidade de Lleida, o KISMIF é um projecto de investigação que quer analisar as manifestações punk em Portugal. A primeira edição, realizada em 2014, surgiu na sequência da tese de doutoramento de Paula que resultou, nesse mesmo ano, no livro “A Instável Leveza do Rock – Génese, Dinâmica e Consolidação do Rock Alternativo e Portugal (1980-2010). Tudo porque a investigadora tinha “necessidade de discutir e apresentar resultados”. Uma “bola de neve depois”, o KISMIF é hoje uma “marca mundial” que prova que, afinal, “havia lugar para este tipo de reflexão”. Já inspirou, aliás, novas investigações e até projectos musicais — “Da filosofia em que nos embebemos acaba por resultar uma ‘praxis’”. “Do It Yourself”, é claro.