O Curtas abriu a ganhar com Diamond Island
A estreia na longa de Davy Chou, vencedor do festival de 2014, foi a melhor abertura possível de Vila do Conde 2016.
Pronto, é pouco original dizer isto em fim de semana de final do Euro, mas a metáfora é irresistível – a abertura, sábado à noite, do Curtas Vila do Conde 2016 com Diamond Island , primeira longa do franco-cambojano Davy Chou, foi um belíssimo golo da equipa do festival e a prova de que eles têm olho para escolher os seus autores. Chou venceu a competição do Curtas há dois anos com Cambodia 2099, pequeno “ensaio” ou “esboço” para esta estreia em formato longo muito aplaudida este ano na Semana da Crítica em Cannes. Sabemos que isso não é garantia de sucesso na transferência para durações mais longas. Mas é uma chegada à “primeira liga” que merece ser notada, graças à segurança e à delicadeza com que Chou conta esta história de passagem à idade adulta no Camboja moderno: com um controlo do espaço e do tempo que nunca trai a natureza de longa de estreia, uma recusa do exotismo gratuito, um uso da cor extremamente cuidado.
A comparação é evidentemente descabida, mas Diamond Island está algures entre os Verdes Anos de Paulo Rocha e os melhores filmes de John Hughes, revistos pela pacatez zen de Apichatpong Weerasethakul. É a história do jovem Bora, de 18 anos, que vem da sua aldeia para Phnom Penh para trabalhar no estaleiro de construção de uma nova área de luxo, e rapidamente dá por si preso entre a espada e a parede. De um lado, os amigos que com ele trabalham nas obras e a família na aldeia, que fazem esticar o dinheiro; do outro, o irmão mais velho que cortou o contacto com a família e se juntou aos endinheirados que vivem em Phnom Penh e têm carros novos e iPhones.
Chou não encena apenas a corda bamba de Bora e dos jovens cambojanos presos entre tradição e progresso, passado e futuro. É toda uma geração global que se pinta em Diamond Island, forçada a escolher (talvez cedo demais) de que lado da barricada prefere estar. É uma das primeiras obras mais bonitas e sensíveis que vemos em muito tempo, e faz sentido que o Curtas a tenha “juntado”, nesta noite de estreia, a outra das melhores primeiras longas dos últimos anos, James White do americano Josh Mond, que já passou este ano pelo concurso do IndieLisboa.
História de um millennial sem direcção (espantoso Christopher Abbott) que as circunstâncias obrigam a “crescer”, o filme de Mond (integrado numa curta retrospectiva dedicada à produtora Borderline Films), faz um raccord curioso com Diamond Island, como se os seus dois heróis fossem duas faces de uma mesma moeda num mundo em que todas as seguranças desapareceram. Foi um belo segundo golo na mesma noite. (Chou e Mond, a propósito, estão também juntos no júri principal do festival este ano.)
A primeira noite do Curtas encerrou com a abertura do programa de filmes-concerto Stereo, com Soundscope Cinema, onde o realizador e director de fotografia Jorge Quintela manipulou visualmente em tempo real criações sonoras de Rui Lima e Sérgio Martins, expandindo uma pequena performance realizada há alguns meses na galeria Solar. Inspirada pelo cinema abstracto e experimental primordial, Soundscope Cinema começou por parecer algo saído do Planeta Proibido ou de uma experiência electro-acústica dos Test Department em jam session com os Art of Noise: uma transmissão bizarra de uma civilização alienígena comunicando por frequências de rádio ou através da estática do televisor.
Infelizmente, aquilo que tinha potencial para ser francamente interessante esgotou-se muito rapidamente numa fórmula resolvente algo cansativa. Nem a criação sonora de Lima e Martins nem os visuais de Quintela, intrigantes numa primeira abordagem, foram suficientemente variados ou inspirados para justificar os 45 minutos de duração; saímos com a sensação de termos assistido a um ensaio geral de uma ideia com potencial mas ainda embriónica. O “autogolo” não chegou para macular a noite de estreia do Curtas, cuja competição apenas arrancará verdadeiramente na segunda-feira, depois da euforia futebolística ter atingido o seu zénite.