Uma história de racismo e de polícias "presos aos métodos do passado"

No ano passado 990 pessoas foram mortas pela polícia norte-americana. Segundo o projecto Mapping Police Violence, no mesmo período foram condenados dois agentes.

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Manifestação em Nova Iorque Yana Paskova/AFP

A primeira página do jornal The Dallas Morning News, na manhã desta sexta-feira, quando ainda se tentava perceber o que levou pelo menos um atirador furtivo a matar cinco polícias durante uma manifestação pacífica, é um espelho da complexa questão sobre violência policial e racismo que tem ocupado muitas outras primeiras páginas um pouco por todo o país nos últimos dois anos.

Em baixo, no canto inferior esquerdo, um destaque com a notícia da morte de Philando Castile, um cidadão negro baleado na quarta-feira por um polícia branco no estado do Minnesota quando estava no seu carro com a namorada e a filha dela, de quatro anos – Castile foi um dos 509 cidadãos norte-americanos mortos por polícias nos EUA desde Janeiro, 123 dos quais eram negros, segundo os números recolhidos pelo jornal The Washington Post.

Em cima, a notícia principal, sobre a emboscada e a morte de polícias em Dallas na noite de quinta para sexta-feira, é ilustrada com a fotografia de um agente negro a chorar, abraçado a uma mulher na sala de emergências do hospital da Universidade de Baylor, para onde foram levados outros sete agentes que ficaram feridos.

As acusações de racismo generalizado na polícia norte-americana são antigas, mas ganharam uma nova força com o movimento Black Lives Matter, que deu os primeiros passos em 2013, depois de George Zimmerman ter sido absolvido do homicídio do adolescente negro Trayvon Martin, na Florida.

Desde então, os activistas do Black Lives Matter estiveram no centro dos protestos nos casos mais mediáticos que envolveram polícias brancos e civis negros – as mortes do adolescente Michael Brown, em Ferguson, em 2014; de Tamir Rice, uma criança de 12 anos, apenas três meses depois, em Cleveland; ou de Freddie Gray, um jovem de 25 anos de Baltimore que entrou em coma quando estava a ser levado pela polícia numa carrinha e acabou por morrer no hospital com graves lesões na medula espinal.

Depois da morte de Michael Brown, em Agosto de 2014 – e dos protestos que se seguiram, alguns deles violentos –, a Casa Branca e o Departamento de Justiça fizeram inquéritos, ouviram todas as partes e emitiram ordens e recomendações.

Por um lado, foram apresentadas provas de que muitos agentes da polícia de Ferguson trocavam entre si mensagens de teor racista, e de que a polícia de Cleveland usava "força letal de forma desnecessária e excessiva, incluindo tiros e golpes na cabeça"; por outro, os cerca de 18 mil departamentos de polícia espalhados pelos EUA foram instruídos a melhorarem o treino dos seus agentes, para começarem a reverter a abordagem mais comum – "abordar com rapidez, ladrar ordens e usar a força se os suspeitos não cumprirem as ordens imediatamente", como disse ao The Washington Post Samuel Walker, especialista em direitos cívicos e actuação policial.

O problema, disse ao mesmo jornal o activista Edwin Lindo, é que "os recrutas saem da academia com um novo treino, mas os mais velhos dizem-lhes: 'Isso de acalmar a situação é muito giro, mas tu tens de disparar antes que eles disparem contra ti.'"

O especialista Samuel Walker concorda: "Eles [os mais velhos] podem estar presos aos métodos do passado." Actualmente, cita o The Washington Post, um recruta é encorajado a "acalmar a situação, procurar abrigo, falar com calma com os suspeitos e usar meios não-letais para detê-los".

A recolha feita pelo jornal norte-americano mostra que foram mortos mais brancos do que negros pela polícia tanto em todo o ano de 2015 como desde Janeiro deste ano (respectivamente 494 contra 258 e 238 contra 123), mas o que choca grande parte da sociedade norte-americana é a disparidade dos números quando se tem em atenção o total da população.

Segundo uma investigação do jornal The Guardian, apesar de representarem apenas 2% da população dos EUA, os homens negros entre os 15 e os 34 anos têm cinco vezes mais probabilidades de serem mortos pela polícia do que os brancos da mesma faixa etária, ou nove vezes mais do que qualquer outro cidadão norte-americano.

O sentimento de impunidade é agravado pelo facto de que em 2015 apenas 3% dos polícias envolvidos em casos que terminaram com a morte de um suspeito foram acusados de um crime – dez foram julgados e três foram condenados, segundo os dados publicados no site do projecto Mapping Police Violence.

No caso de Michael Brown, em 2014, o polícia Darren Wilson escapou a uma acusação formal por duas vezes – uma por decisão de um grande júri, em Novembro de 2014, que deu origem a uma nova série de protestos em Ferguson e um pouco por todo o país; e outra em Março de 2015, após um relatório do Departamento de Justiça, que considerou a actuação do agente justificável. Darren Wilson despediu-se da polícia de Ferguson em finais de 2014, depois da decisão de um grande júri de não levá-lo a julgamento.

Um ano mais tarde, em Dezembro de 2015, o mesmo aconteceu ao agente Timothy Loehmann, que matou Tamir Rice quando a criança brandia uma pistola de brincar num parque em Cleveland. Loehmann e o colega que o acompanhava, Frank Garmback, escaparam a uma acusação formal, também por decisão de um grande júri.

No caso da morte de Freddie Grey, em Baltimore, foram formalmente acusados seis agentes, num caso liderado pela procuradora Marilyn Mosby e visto na altura, em Maio de 2015, como um exemplo de que o sentimento de impunidade na polícia teria os dias contados. Desde então, dois agentes foram julgados e considerados inocentes; um outro viu o julgamento chegar ao fim sem que o júri tivesse conseguido desfazer o empate nas decisões; e o julgamento do agente com a patente mais elevada, o tenente Brian Rice, começou esta semana – Rice está acusado de agressão e homicídio involuntário, mas especula-se que também ele acabará por ser ilibado.

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