Câmara da Vidigueira desloca estátua para deixar passar as marchas populares
Em 2006, a autarquia aprovou a requalificação da principal praça da vila alentejana. Uma década depois modifica o espaço deslocando a estátua, cortando árvores e retirando bancos.
O arquitecto Jorge Cruz Pinto, natural da Vidigueira, co-autor do projecto de requalificação da Praça Vasco da Gama na Vidigueira, concretizado em 2006, estava longe de imaginar que decorrida uma década da intervenção efectuada, o autarca que então aprovou a obra é o mesmo que agora decide alterar a fisionomia do espaço mais nobre da vila. Numa recente deslocação à Vidigueira apercebeu-se que tinha havido uma intervenção urbanística de “grande impacto na praça”, sem que os responsáveis municipais o tivessem consultado, como determina a legislação em vigor, adiantou ao PÚBLICO. E diz ter sido informado das razões que motivaram a deslocação da estátua: criar mais espaço para realizar o desfile das marchas populares.
A proposta de Cruz Pinto para a requalificação da praça, quando foi implementada, tinha um sentido: recuperar a “vivência pública do espaço nobre da vila alentejana, dando maior relevo à estátua de Vasco da Gama, para manter a sua centralidade e ao mesmo tempo libertar espaço vazio em seu redor”, referiu Cruz Pinto. A sua proposta tomou como referência o “enquadramento dos edifícios circundantes, Museu Etnográfico e o edifício da Misericórdia (localizados num dos topos da praça), evocando os Descobrimentos, através da água, bem como da vegetação escolhida (laranjeiras)”, salientou o co-autor do projecto.
Dez anos depois, a sua proposta foi “descaracterizada” com as obras realizadas durante o passado mês de Junho, em que se retiraram árvores, bancos de jardim e se deslocou a estátua de Vasco da Gama, que pesa toneladas, do centro da praça para um dos topos. Para dar uma noção do impacto que a opção da autarquia provocou, o arquitecto faz um paralelismo:” Imaginemos que tinham mudado a estátua de D. José na Praça do Comércio em Lisboa do centro para uma das suas laterais”.
Confrontado com as críticas, o presidente da Câmara da Vidigueira, Manuel Narra (CDU), disse ao PÚBLICO que a deslocação da estátua do centro para um dos topos da praça teve como propósito “sanar a mágoa que o povo tinha há mais de 40 anos [porque] o seu herói estava de costas voltadas para o povo”. Não refere a questão das marchas, embora sejam vários os que na Vidigueira apontam para essa explicação
Instado a precisar os custos da intervenção, o autarca salientou que foram investidos 6 mil euros na “manutenção da estátua” e que a sua deslocação para o local onde agora se encontra foi “executado pelos serviços municipais”. Reportando-se aos encargos assumidos com o projecto e obras de requalificação executadas em 2006, Narra disse que foi feito um investimento que rondou os 170 mil euros.
A estátua concebida pelo escultor alentejano Hélder Baptista, de Vendas Novas, que pertenceu à terceira geração de artistas modernistas portugueses, foi colocada no sítio original em 25 de Outubro de 1970, para comemoração dos 500 anos do nascimento de Vasco da Gama que foi o 1º conde da Vidigueira e aqui foi sepultado.
No entanto, o seu posicionamento mereceu críticas daqueles que reclamavam que deveria estar virada para a Índia. A primeira tentativa feita neste sentido deu-se em Fevereiro de 1997 no âmbito do projecto de arte conceptual “Além da Água” que apresentou propostas artísticas em 10 concelhos do Baixo Alentejo.
A Vidigueira foi contemplada com a mudança de posição da estátua de Vasco da Gama mas saíram goradas as tentativas feitas. A figura de bronze do navegador nascido em Sines estava assente em suportes de betão de tal forma sólidos que as máquinas envolvidas na sua remoção não a conseguiram deslocar.
O então presidente da câmara, Carlos Góis (CDU), prometeu dar a volta à estátua de forma a ficar posicionada na direcção do oriente. “O almirante é teimoso, mas não é mais que nós”, desabafou na altura o autarca. Mas só em 2006 é que o perfil do navegador ficou virado para oriente, assim permanecendo até há umas semanas.
O vereador Miguel Almeida, eleito pelo PS, disse ao PÚBLICO ter questionado o autarca “quando a obra estava a decorrer” sem que o respectivo projecto tivesse sido apresentado em reunião de câmara.
Manuel Narra informou os seus opositores socialistas que “não tinha de licenciar a obra porque não havia necessidade de o fazer,” referindo ainda num comunicado que lhes endereçou que “se de cada vez que se abatesse uma árvore ou retirasse um banco do espaço público [tivesse de licenciar] com certeza que as reuniões de câmara teriam de ser diárias”.
Cruz Pinto, critica a atitude “reveladora de ignorância populista e de prepotência” do autarca da Vidigueira, acusando-o de não ter discutido a intervenção em reunião de câmara ou de assembleia municipal, e também não foi objecto de concurso.
Ao PÚBLICO, o autarca adiantou que fazer um projecto para o novo posicionamento da estátua significaria que “alguém gostaria de cobrar (bem, muito bem) para um projecto que visasse apenas deslocar a estátua 20 metros”.
O arquitecto disse ter sido informado das razões que motivaram a deslocação da estátua: criar mais espaço para realizar o desfile das marchas populares. Um comunicado difundido pela Câmara da Vidigueira refere que a Praça Vasco da Gama, “acolheu, no passado sábado 25 de Junho, o Arraial de S. Pedro com desfile e actuação de dez marchas populares e mastro”.