Robson-Kanu é a sombra trabalhadora de Bale no País de Gales

Brincou com as filhas de Mick Jagger, foi repreendido pelo Rei Hussein da Jordânia, ficou sem clube um dia antes de defrontar a Bélgica. Em França, chegou ao ponto mais alto da sua carreira.

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Robson-Kanu está sem clube EMMANUEL DUNAND/AFP

Jogou à bola com as filhas de Mick Jagger; cruzou-se com as princesas Diana e Margarida na Igreja onde o seu pai era vigário, em Londres; foi repreendido pelo Rei Hussein da Jordânia. A infância de Robson-Kanu não é tão corriqueira como a sua carreira futebolística. Ou, pelo menos, como era até ao Euro 2016 o transformar num herói de culto para os adeptos do País de Gales. Na sombra da grande estrela da equipa Gareth Bale, este atacante, nascido em Inglaterra, está sem clube. A sua explosão em França abre-lhe novas oportunidades e procurará reforçar a súbita popularidade frente a Portugal, esta quarta-feira.

Em oito temporadas ao serviço dos ingleses do Reading, Kanu, de 27 anos, apontou apenas 34 golos, num total de 271 partidas. Nos 135 minutos que jogou neste Europeu marcou dois, metade dos que soma em 34 internacionalizações. E não foram golos banais. No primeiro, na estreia frente à Eslováquia, saiu do banco aos 71’, para garantir o triunfo, por 2-1. Mas o melhor estava guardado para a partida com a Bélgica, nos quartos-de-final. Com um truque de magia, a fazer lembrar o lendário Johan Cruyff, surpreendeu três defesas adversários e atirou para o fundo das redes, dando a volta à eliminatória e escrevendo o prefácio do triunfo galês, por 3-1. O mundo do futebol viu, pela primeira vez, Robson-Kanu com outros olhos.

Nascido em Londres, em 1989, filho de um vigário nigeriano da Igreja de St. Mary Abbots, em Kensington (localizada nas traseiras do Kensington Palace) e de uma britânica, Robson Kanu conviveu com várias celebridades durante a sua infância e juventude. Algumas deles só veio a saber exactamente quem eram mais tarde. Foi o caso de Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, que frequentava a Igreja e levava com ele as filhas, com quem o futuro internacional galês e o seu irmão, David, brincavam nos terrenos circundantes. “Lembro-me das meninas Jagger que me perseguiam para jogar futebol. Não sabíamos quem ele [Jagger] era. Para nós era apenas mais um paroquiano”, recordou recentemente, em entrevista ao jornal The Times.

Presenças habituais em St. Mary Abbots, eram igualmente a princesa Diana e a princesa Margarida (irmão da rainha Isabel II), com quem Kanu também se cruzou em Kensington. “Olhando para trás, [a minha infância] foi única. Na altura não percebi como fui privilegiado. Era normal. Tivemos muitos amigos e conhecemos outras formas de educação.” Menos casual foi o contacto com os guarda-costas do Rei Hussein da Jordânia, que tinha uma casa próxima da família Kanu.

Certo dia, numa brincadeira com o irmão, atou um urso de peluche numa árvore, ao lado da representação diplomática jordana. Os seguranças do monarca foram bater à porta de sua casa e falaram com a avó materna de Robson, questionando o que motivara as crianças a pendurarem numa árvore aquilo que lhes pareceu ser um esquilo morto. Evitando à nascença um eventual embaraço diplomático, a velha senhora explicou que se tratava somente de um urso de peluche e que as crianças estavam a brincar. Mesmo assim, para evitar futuros mal-entendidos, os representantes do rei jordano pediram-lhe que tentasse controlar os netos.

Robson-Kanu não esconde, ainda hoje, o amor que sente pela avó, de 86 anos. Nascida em Caerphilly, representa a herança galesa do jogador e a razão pela qual pode optar por esta selecção. Uma escolha que não foi imediata. A carreira no futebol também surpreendeu muitos dos seus amigos de juventude, que apostavam mais num percurso académico, face aos bons resultados escolares que ia alcançando. A bola acabou por falar mais alto.

Dispensado do Arsenal

Iniciou-se a jogar no Arsenal, com 10 anos, mas, quando atingiu os 15, a equipa londrina dispensou-o, com a justificação de que não tinha força, velocidade e altura suficientes. Poderia ter sido o fim do sonho de Kanu no desporto-rei, mas Brendan Rodgers, ex-treinador do Liverpool e actual técnico do Celtic da Escócia, na altura director da academia do Reading, viu potencial no jovem. E foi este clube que Robson representou toda a sua vida como profissional (oito temporadas e quase sempre na segunda divisão), até o seu contrato não ser renovado no final desta época. Chegou ao Europeu como jogador livre (apesar do vínculo com o ex-clube só ter cessado oficialmente a 30 de Junho último, um dia antes do jogo com a Bélgica), mas, algumas semanas antes do início do torneio, apanhou um valente susto, lesionando-se no tornozelo, durante um estágio que a equipa realizou em Portugal. Recuperaria a tempo de apanhar o TGV galês para França.

Ao nível de selecções, Robson-Kanu começou por representar os escalões juvenis da Inglaterra, até que, em 2010, com 21 anos decidiu vestir a camisola do País de Gales, face às poucas oportunidades que iria ter na equipa principal da maior nação do Reino Unido. Disputou nove encontros na campanha de qualificação para o Euro francês e convenceu o seleccionador Chris Coleman a inclui-lo na lista de convocados. Os resultados deram-lhe razão, mesmo não sendo um titular indiscutível. Ou, pelo menos, não o era até defrontar os belgas e ser eleito como o homem do jogo pela UEFA.

Se Gareth Bale é o grande solista do País de Gales, Robson-Kanu é o seu melhor companheiro no ataque. Este extremo de origem, convertido em avançado centro, trabalha incansavelmente, esgotando as defesas adversárias e ainda com momentos de arte e qualidade técnica, como ficou patente no golo que marcou à Bélgica. “Eu sei que Bale gosta de jogar comigo, estamos em sintonia”, garantiu no final do encontro: “O seleccionador viu a minha qualidade. Eu retiro pressão e abro espaços para Bale e Ramsey.”

Os adeptos também estão eufóricos com o seu rendimento e prendaram-no com uma melodia neste Euro, baseada no êxito do hip-hop de 1986, Push It, dos Salt-N-Pepa. Saltam vertiginosamente ao som da música, gritando o seu nome, e não querem acordar dos dias mágicos que estão a viver em França, na primeira fase final de um Euro disputada pelo País de Gales que, desde o Mundial de 1958, não alcançava um grande torneio. Os “Dragões” estão com fogo na boca e Robson-Kanu com arte nos pés.

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