Disto é que ninguém fala: logo a seguir à ascensão do auto-proclamado Estado Islâmico e à enigmática e inexplicável chegada da Selecção Nacional às meias-finais de um campeonato europeu de futebol, há uma ocorrência nefasta na nossa sociedade que parece estar a escapar-nos. Falo, claro está, da expressão sobejamente utilizada "o meu melhor amigo" (também aplicável no plural). Onde é que reside a celeuma? Ora, a celeuma baseia-se no pressuposto de que, havendo amigos que são melhores que os outros todos, tem de haver um amigo que é o pior. E ninguém diz "o meu pior amigo", pois não?
O pior amigo manifesta-se das mais variadas formas. Não raras são as vezes em que nos deixa na mão: "Sim, sim, eu apareço e dou-te boleia para aquele encontro que marcaste com o Obama". Chegada a hora acordada, chega também uma SMS fugidia: "Epá, desculpa lá, apareceu aqui o meu primo com três ornitorrincos de Madagáscar e não vai dar para te ir buscar. Força aí!" E nós ali ficamos, confusos, sem saber ao certo como ir ter com o Obama e sem ter a certeza absoluta de que existam ornitorrincos em Madagáscar.
Outro tipo de pior amigo é o inconveniente, que adora colocar-nos em situações-limite, capazes de nos fazer implodir de vergonha. "Então não sabes que este tipo um dia foi agarrado pela própria mãe a espancar o macaco enquanto via uma foto do Alf?" e "E daquela vez em que aquela miúda se borrou na sala de aula? Era um cheiro a chamuça que não se aguentava!" são das mais clássicas. Mas há outras: qualquer coisa que sirva para embaraçar ou fazer revirar os olhos dos amigos boa-onda é utilizada, do simples vociferar em via pública até à partilha do traque mais sobrehumano.
Há também o pior amigo que está sempre lá. Marca-se tudo com o maior secretismo, cenas de fazer inveja à CIA, e depois, sem querer, dá-se um pontapé numa pedra, e o pior amigo aparece sem pré-aviso. Em murmúrios, os bons amigos conversam uns com os outros: "Foste tu que o convidaste?" "Eu? Então eu não abro o whatsapp há três semana só para o gajo não me ver online!" Mistério universal, o pior amigo por lá anda e é sempre - SEMPRE! - o último a desgrudar. "Pá, acho que hoje não vai dar para ires, estamos de malas aviadas para escalar o Evereste." Três dias depois, o pior amigo é um dos dois únicos sobreviventes.
"O meu pior amigo" devia passar a ser expressão obrigatória, quanto mais não fosse para que o tal "pior amigo" percebesse que o era. Assim, talvez se desenvolvesse uma espécie de competição entre amigos para ver de que maneira é que o "amigo razoável" se safava de ser despromovido a "pior amigo", e vice-versa. Aposto que as conversas seriam muito melhores sempre que começassem com um "epá, o meu pior amigo é um prato" ou com um "se tu soubesses o que o meu pior amigo fez ontem..."
Estamos de tal maneira focados no que é bom e alegre e feliz que ninguém aprecia convenientemente o amigo que se porta mal, que é uma besta frequente para com o grupo de amigos bons. Proponho, então, que celebremos o nosso pior amigo num dia qualquer do ano, sem data pré-estabelecida. Pode ser hoje, ou pode ser no próximo 29 de Fevereiro. O que importa é que o pior amigo saiba que o é, para se acabar com as ilusões.