Habitantes de Bagdad acusam Governo de não os proteger dos ataques do Estado Islâmico
Morreram pelo menos 165 pessoas no domingo, mas o número deve crescer. Primeiro-ministro promete abandonar detectores de bomba falsos.
Horas depois do atentado que no domingo matou pelo menos 165 pessoas numa das ruas mais movimentadas de Bagdad e de uma multidão em fúria ter atirado pedras à coluna de veículos em que viajava, o primeiro-ministro iraquiano, consciente da ira que se adensava contra o seu Governo, anunciou reformas imediatas para melhorar as condições de segurança na capital.
Haider al-Abadi quer eliminar os pequenos postos de controlo existentes e instalar mecanismos móveis de raio-X nas entradas da cidade. Quer também que os seus soldados deixem de usar os dispositivos de detecção de bombas que comprou num esquema fraudulento e que não passam de aparelhos construídos para encontrar bolas de golfe.
O exemplo dos dispositivos que não detectam bombas mas continuam a ser usados não basta para explicar as razões pelas quais o grupo Estado Islâmico parece conseguir fazer à sua vontade grandes atentados bombistas na capital iraquiana, mas dá uma imagem da disfuncionalidade do Governo de Haider al-Abadi. O ataque de domingo pode ter sido o mais mortífero em quase dez anos, mas é já o sétimo desde Janeiro a matar mais de 30 pessoas. Todos foram reivindicados pelo Estado Islâmico.
Esta segunda-feira, poucos esperavam que o balanço governamental de 165 mortos publicado durante a manhã resistisse até ao final do dia. A explosão de uma carrinha frigorífica e os grandes incêndios que se seguiram causaram mais de 225 feridos e soterraram dezenas de pessoas sob os escombros de casas e centros comerciais na rua de Karrada.
Bagdad: “À noite a rua estava cheia de vida, agora só há cheiro a morte”
Este ataque reavivou uma onda de contestação ao Governo que atingiu o seu pico em finais de Abril, com a invasão por centenas de iraquianos da Zona Verde e do Parlamento, onde impediram alguns deputados de abandonar o local. Por essa altura, os manifestantes lutavam sobretudo por serviços básicos e pelo fim da corrupção. Hoje, à medida que o Estado Islâmico perde terreno no seu suposto "califado" e aumentam os receios de que o grupo regresse às raízes de guerrilha, os iraquianos pedem maior segurança.
“As tácticas do Estado Islâmico evoluíram. Por que é que o Governo continua com a mesma estratégia?”, questionava esta segunda-feira um residente de Bagdad, citado pela AFP. Um outro, em declarações à BBC, demonstrava uma perplexidade semelhante: “Não temos nenhuma segurança no Iraque. Não sei bem porquê. Sim, temos muita polícia, muito Exército, mas não temos segurança.”
Abadi conseguiu um balão de oxigénio com uma reorganização ministerial e o início da operação de reconquista de Falluja, que fica a menos de uma hora de viagem de Bagdad, naquilo que se pensava ser um passo fundamental para aliviar a pressão terrorista sobre as ruas da capital. Mas os jihadistas disseram no domingo que a operação em Karrada foi levada a cabo por equipas suas em Bagdad.
O Governo e as forças de segurança iraquianas tentam usar a reconquista de Falluja para explicar o atentado em Karrada, na óptica de um ataque por vingança e desespero. Abadi, que anunciou três dias de luto nacional, disse até que compreendia a frustração dos iraquianos, prometendo castigar os responsáveis pelo ataque. Mas esta segunda-feira muitos confrontavam-se com a ideia de que os sucessos militares contra enclaves jihadistas podem tardar a fazer-se sentir nas cidades sob controlo militar, sobretudo quando não é segredo que os pequenos aparelhos de antena retráctil usados nos controlos de segurança para detectar explosivos, servem, na verdade, para encontrar bolas de golfe.
“Perguntei a um oficial iraquiano de topo por que razão é que se usavam detectores de bolas de golfe apesar de não funcionarem”, escrevia esta segunda-feira Imran Khan, jornalista da Al-Jazira. “Ele levantou os ombros e respondeu: ‘Os nossos soldados precisam de fazer alguma coisa nos checkpoints.’”