Never Gonna Give EU Up, cantaram milhares em Londres
Milhares de manifestantes desfilaram na capital do Reino Unido contra o anunciado "Brexit" e muitos ainda acreditam que decisão pode ser travada.
Londres não votou pela saída do Reino Unido da União Europeia e neste sábado fez questão de o relembrar numa Marcha pela Europa que juntou milhares de pessoas – 30 mil segundo algumas estimativas. Uma semana depois do referendo, ouviram-se críticas à forma como os partidários do “Brexit” fizeram campanha, à inexistência de um plano para o futuro do país e, no meio da multidão, muitos ainda acreditam que será possível evitar o que agora parece inevitável.
A marcha começou junto a Hyde Park e terminou uns quilómetros a sudeste, frente ao Palácio de Westminster, atravessando o coração político de um país ainda viver os primeiros dias de uma nova época de turbulência, depois de um voto que dividiu a meio o país, separando gerações, classes sociais e regiões. Entre os que saíram à rua havia novos e velhos, profissionais e estudantes, activistas e famílias com filhos pequenos, numa atmosfera que poderia ser de festa não fosse a revolta que se lia na ironia dos cartazes e dos slogans.
“Fromage not Farage” ou “We Love EU”, gritou-se durante o cortejo, onde a música deu mote a um verdadeiro medley de declarações pró-europeias, cantadas ou escritas em cartazes: Never Gonna Give EU Up, Nothing compares 2 EU, Don’t EU want me baby?, foram alguns dos sucessos pop chamados à manifestação. Pelo meio, dezenas e dezenas de bandeiras da UE, balões azuis e amarelos, rostos pintados com as estrelas comunitárias – declarações de quase amor a uma instituição que durante a campanha foi inúmeras vezes acusada de “antidemocrática” e “fora de controlo”.
O humorista Mark Thomas, um dos co-organizadores da manifestação, convocada através das redes sociais, explicou ao jornal Guardian que o objectivo era dar uma oportunidade a quem votou pela permanência para expressar a “revolta e frustração”. “Nós aceitaríamos o resultado do referendo se ele tivesse sido travado de forma justa. Mas o que houve foi desinformação e as pessoas precisam de fazer alguma coisa com a sua frustração”.
O mesmo “choque”, “desilusão”, ou “tristeza” de que falaram manifestantes ouvidos durante a marcha, como Nathaniel Samson, de 25 anos, que disse à Reuters estar “muito inseguro sobre o futuro” – o seu e o do país. “Aceito o resultado, mas quero mostrar que não o aceito sem protesto.” Outros, como Laura Honickberg, de 33 anos, saíram à rua para repudiar a sucessão de incidentes xenófobos dos últimos dias. “Sou judia e olho com grande preocupação para o aumento dos crimes de ódio na Europa”, disse à BBC.
Mas nem todos cruzaram já os braços. Keiran MacDermott, outro organizador da marcha, disse acreditar que uma forte mobilização do eleitorado pró-europeu pode convencer o próximo Governo a desistir de accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que formaliza a intenção de saída. “É ao Parlamento que cabe a última palavra”, disse, retomando o argumento – na base já de uma petição online para a realização do novo referendo – de que menos de metade da população votou a favor da saída (a taxa de participação rondou os 72% dos eleitores, dos quais 52% votaram pelo “Brexit”).
Apesar de legalmente possível (o referendo não é vinculativo) é politicamente improvável que qualquer executivo vá contra a vontade de 17 milhões de eleitores e tanto o Partido Conservador como os trabalhistas garantem que respeitarão o resultado. Uma realidade que levou os “Brexitiers” defensores da saída a acusar os manifestantes de mau perder.
A sugestão de que quem votou a favor da saída “não estava a ouvir” ou “simplesmente odeia a imigração” é condescendente, escreveu no Twitter o eurodeputado conservador Daniel Hannan. Outros acusaram os londrinos – a única das nove regiões de Inglaterra onde o “Brexit” não venceu – de “estarem a fazer birra”. “Os protestos contínuos sobre o 'Brexit' são patéticos”, escreveu uma leitora do site da BBC, acusando os defensores da permanência de “insultarem os que votaram pela saída acusando-os das mais variadas coisas”.
Este sábado ficou ainda marcado pela primeira intervenção da rainha Isabel II desde o referendo, num discurso solene no Parlamento escocês. Sem se referir directamente ao resultado – ou à crise política que gerou – a monarca admitiu que “num mundo cada vez mais complexo e exigente” “pode ser difícil manter a capacidade para ter a calma”. Sublinhou, no entanto, que cabe aos líderes políticos “encontrar espaço suficiente para que se pondere com profundidade a melhor forma de responder aos desafios e oportunidades”.