Regulação e políticas para a comunicação social

Um tão vasto elenco de competências de regulação impõe uma acrescida ponderação relativamente a duas opções estratégicas do poder político.

A proposta de alteração da Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual, aprovada no passado dia 25 de maio pela Comissão Europeia e que será nos próximos meses submetida ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia, inclui um assinalável reforço do papel das entidades reguladoras. De facto, o texto não se preocupa apenas com a sua existência em cada Estado: estabelece os seus principais objetivos (pluralismo, diversidade cultural, proteção dos consumidores, leal concorrência, entre outros), assinala que devem ser independentes e exercer os seus poderes de forma imparcial e transparente, reconhece-lhes o direito a disporem de orçamentos que assegurem os recursos financeiros e humanos adequados às suas funções e atribui mesmo à ERGA, grupo que agrega as entidades reguladoras dos diferentes Estados europeus, poderes consultivos relativamente à própria Comissão Europeia.

Trata-se, sem qualquer dúvida, de uma renovada legitimação do crescente papel dos reguladores na consagração e defesa do direito dos cidadãos à informação e na própria indústria dos media, que na generalidade dos países europeus não sofre qualquer contestação.

Em Portugal, nascida em 1975/76 da preocupação em assegurar a independência do então vasto setor público da comunicação social face ao poder político, garantindo a expressão das diversas correntes de opinião, a regulação dos media abrange hoje um bem mais vasto conjunto de matérias, que incluem também, entre outras, as queixas dos cidadãos relativamente a conteúdos publicados ou emitidos, incluindo o direito de resposta e o rigor da informação, a proteção dos públicos mais desprotegidos, como as crianças, a fiscalização do cumprimento pelos operadores de televisão das obrigações de programação europeia e de produção independente ou de acessibilidade para os públicos com necessidades especiais, a concretização das regras de transparência da propriedade e de distribuição da publicidade do Estado, o registo dos órgãos de comunicação e o processo de atribuição de licenças ou autorizações para os operadores de rádio e televisão.

Um tão vasto elenco de competências de regulação impõe uma acrescida ponderação relativamente a duas opções estratégicas do poder político.

A primeira tem a ver com o papel reservado à estrutura da Administração Pública encarregada das políticas para o setor da comunicação social. A seguir à Revolução de Abril, vários governos incluíram no seu elenco um Ministro da Comunicação Social, tutelando uma sobredimensionada estrutura administrativa – a Direção Geral da Comunicação Social, que chegou a ter cerca de três centenas de funcionários. Quatro décadas passadas, este cenário é impensável. A política para a comunicação social não tem justificado a consagração em exclusivo de qualquer membro do Governo, estando hoje, tal como acontece por exemplo em França, no âmbito do Ministério da Cultura. No entanto, a estrutura administrativa para o setor, depois de diversas alterações e emagrecimentos (Direção Geral da Comunicação Social até 1992, Gabinete de Apoio à Imprensa entre 1992 e 1997, Instituto da Comunicação Social entre 1997 e 2007 e Gabinete de Meios de Comunicação Social entre 2007 e 2015) está hoje reduzida a um pequeno núcleo de cinco ou seis quadros integrado… na Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros.

É verdade que a transferência para a ERC de diversas das suas anteriores competências e a polémica atribuição às CCDRs da aplicação (mas não da conceção…) do regime de incentivos à comunicação regional e local retiraram relevância à estrutura da administração pública. No entanto, esta irrelevância, que também é comprovada pela progressiva e drástica diminuição das verbas para incentivos às empresas – em 2016, cinco vezes menor do que há dez anos… –, reflete a demissão dos sucessivos governos na definição das políticas – nacionais e europeias… – para o setor, particularmente preocupante num quadro de profundas modificações na indústria dos media. E não se pode esperar da ERC uma participação, a não ser consultiva, na definição das políticas públicas para a comunicação social.

A segunda opção estratégica relaciona-se com a relação entre as entidades reguladoras dos media e das comunicações. Em alguns países europeus (Grã-Bretanha, Itália, Finlândia, Áustria, Suíça), existe hoje um regulador único. Nos restantes, em alguns casos (como em França) após uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens de uma fusão, mantem-se uma regulação separada, mas articulada.

No caso português, essa separação permanece a solução adequada. A regulação das comunicações é sobretudo uma regulação centrada na economia das telecomunicações, bem mais motivada pela eficiência do que pela defesa de valores sociais e dos direitos dos cidadãos. Na regulação dos media, pelo contrário, são estes que prevalecem, tendo o seu relevante impacto social justificado mesmo a sua consagração constitucional. Face à vastidão das competências do regulador português dos media, a necessidade de articulação com a Anacom limita-se a uma pequena parcela da atividade da ERC. Acresce ainda que não existe igualmente qualquer vantagem, do ponto de vista da diminuição dos custos administrativos e de eventuais sinergias, decorrente de uma eventual fusão.

Professor universitário

Sugerir correcção
Comentar