Uma última volta no Cavalo antes de Rodrigo Amarante partir para outra

Numa digressão portuguesa de cinco datas, o músico dos Los Hermanos começa a despedir-se do seu primeiro álbum a solo.

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PAULO PIMENTA

Há nove anos, quando Rodrigo Amarante começou lentamente a mudar-se para os Estados Unidos, partia sobretudo virando costas a uma carreira doméstica assente no conforto e na estabilidade garantidos pelo sucesso dos Los Hermanos. Pôs-se a caminho de Los Angeles para participar num disco de Devendra Banhart (Smokey Rolls Down Thunder Canyon), depois foi até Nova Iorque juntar-se a Fabrizio Moretti (The Strokes) e a Binki Shapiro para dar vida à fugaz banda Little Joy. A mudança foi acontecendo, não passou por uma decisão com o peso que a palavra habitualmente traz nem tem nada de definitivo. “Por enquanto, vou vivendo aqui”, diz Rodrigo Amarante ao PÚBLICO.

Nessa chegada aos Estados Unidos, Amarante libertava-se de uma segurança que, na altura, equivalia também a um período pouco produtivo, com os Los Hermanos em pausa. Daí que a construção de uma nova rede de amizades e de colaborações, ajudada pelo facto de viver num lugar novo, tenha acabado por desencadear e ser vertida para Cavalo, seu primeiro álbum a solo, lançado em 2013, do qual começa agora a despedir-se em palco com a digressão que esta semana o levará a Lisboa (Tivoli, dia 28), Faro (Teatro das Figuras, 29), Leiria (Teatro José Lúcio da Silva, 30), Aveiro (Teatro Aveirense, 1 de Julho) e Braga (Theatro Circo, 2).

“Tentei abandonar uma situação onde as coisas pareciam confortáveis e estabelecidas e ir para um outro lugar. Claro que essa ideia, esse movimento determinou muita da escrita para o disco. E agora, estando nos Estados Unidos e viajando pelo mundo, estando exposto a tantas culturas e tantos discursos diferentes, claro que isso me toca e me influencia”, confessa. Cavalo havia de revelar um escritor de canções que soava a um Chet Baker carioca, um romântico cantor de melancólicos standards (sobretudo em temas como Irene, Nada em vão, I’m ready ou Tardei), gravado de forma solitária.

Não sendo propriamente um corte com Cavalo – “espero continuar tocando essas músicas por mais 20 anos, pelo menos”, frisa Amarante –, esta será a última digressão dedicada quase em exclusivo ao álbum, em versões quase intocadas em relação àquelas que conhecemos do estúdio. “Com o tempo vou entendendo algo sobre estas canções que talvez não estivesse claro para mim no começo, encontro subtilezas na forma de interpretar as letras e as melodias, mas não é muito diferente”, garante. A ocasião servirá ainda para Amarante tocar alguns temas que não couberam em Cavalo e partilhar um par de canções que deverá ser registado no segundo álbum a solo.

Esse álbum encontra-se ainda em fase de esboço. Rodrigo Amarante está a compor, começando a imaginar que disco poderá estar a caminho. O certo é que, assumindo a composição, o músico diz querer “juntar a banda e fazer os arranjos com eles para tentar gravar em conjunto, tocando ao vivo algumas das músicas, ao contrário do Cavalo”, em que foi quase tudo construído com as suas mãos. “Escrever é uma tentativa”, afirma, não escondendo a sua desconfiança de todos quantos possam compor “sabendo exactamente como chegar no fim”.

O que não se repetirá garantidamente será o contexto do próximo álbum. Se Cavalo nasceu de um período de mudança, de descoberta de um músico num meio diferente, a estabelecer-se e a ambientar-se a uma nova cidade, com o que isso implica de questionamento pessoal e de construção de uma nova identidade enquanto estrangeiro (o mesmo estrangeiro que se apresentava em Mon nom), o seu sucessor está a ser criado num clima diferente. “Não preciso abandonar tudo e me suicidar de toda a vez que escrevo”, diz. “Naquele momento foi importante e um teste para entender que parte do meu discurso sobrevive a esse suicídio metafórico. Mas não há necessidade de fazer tudo isso de novo.”

O fim do mundo

Brasileiro a viver nos Estados Unidos, Rodrigo Amarante está naturalmente atento às prementes questões políticas instaladas e anunciadas em ambos os países. Ao PÚBLICO, revela a sua preocupação com “o fascismo voltando a ser uma ideia aceitável em vários países do mundo – e isso é uma coisa terrível”. Nos Estados Unidos, onde “é aterrorizante ver quanta gente simpatiza com Donald Trump”, diz-se surpreendido pela quantidade de “gente que votou e advogou pelo Bernie Sanders, dado que ele se promoveu com ideias social-democratas, uma coisa que nessa terra é como se fosse palavrão”. O seu diagnóstico, comum a muitas outras nações, é o estado de uma democracia em que as políticas prosseguidas não reflectem as políticas prometidas. E arrisca prever o ponto em que política e apocalipse coincidiriam: “Se o Trump vencesse as eleições é provável que fosse o fim do mundo, literalmente, mas não acho que vá acontecer.”

No Brasil actual identifica “a ideia mais perigosa da nossa era: o ultra-capitalismo, o neoliberalismo que propaga esta noção de que o Estado é o inimigo e de que é preciso reduzir os gastos, de que a saúde de uma economia é não gastar, é não servir o povo, é deixar o mercado mandar”. Apesar de ligar este quadro a uma corrupção generalizada e à manipulação dos media, Rodrigo Amarante não desliga a chamada sem declarar a sua esperança em dias melhores. “Enfim, é preciso não nos deixarmos desencorajar.”

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