“Brexit” alimentou-se do desencanto nos antigos bastiões Labour
Resultados da votação mostram um Reino Unido dividido e também uma forte votação contra a UE nas zonas que eram até agora dominadas pela oposição trabalhistas.
Os britânicos votaram pela saída da União Europeia, mas o referendo de quinta-feira ilustrou divisões que vão muito além da opinião que os eleitores têm sobre a União Europeia. A mais evidente é a que separa as grandes cidades – mais diversas e economicamente vibrantes – das zonas rurais, as pequenas cidades e os antigos bastiões industriais onde os receios com a imigração falaram mais alto.
Uma mensagem que deve preocupar, antes de mais, o Partido Trabalhista, que, ao contrário dos conservadores, esteve unido no apoio à permanência, mas que viu o Norte de Inglaterra votar de forma maciça a favor da saída, apesar de ser uma área de tradição trabalhista. Na região, onde o Governo conservador de David Cameron colocava boa parte das suas esperanças, o “Brexit” só não venceu nas grandes cidades como Manchester, Leeds ou Liverpool, tendo conseguido nas circunscrições do Nordeste algumas das percentagens mais elevadas a favor da saída.
Um domínio que se estendeu ao Sul de Inglaterra, tradicionalmente conservador, que foi dominador no Leste (o jornal Telegraph adianta que em algumas zonas três em cada cinco eleitores votaram pelo “Brexit”), e que foi também maioritário no País de Gales. Em sentido contrário, votou a grande metrópole londrina (embora com uma taxa de participação abaixo do que era expectável), a Escócia - a nação mais pró-europeia do Reino Unido, onde 62% dos eleitores votaram a favor da permanência - e também a Irlanda do Norte, onde a anunciada saída vai materializar a fronteira até agora inexistente com a República da Irlanda.
Fracturas geográficas que abalam a estabilidade interna britânica, mas que colocam também sob enorme pressão o Labour e o seu líder, Jeremy Corbyn. Ainda os resultados oficiais estavam frescos e já vários responsáveis do partido vinham a público criticar Corbyn, que durante a campanha foi várias vezes acusado de pouco ter feito para convencer os eleitores de que já não é o eurocéptico que durante anos batalhou contra a UE. Mas os analistas avisam que o pouco entusiasmo que Corbyn mostrou nesta campanha não é suficiente para explicar o distanciamento entre a linha adoptada pelo partido e os seus eleitores mais tradicionais.
“O referendo posicionou os jovens profissionais, os que frequentaram as universidades e a classe média urbana contra os que enfrentam dificuldades económicas, os mais velhos, os que têm pouca escolaridade e os que se sentem deixados para trás na sociedade”, escreveu no Guardian Matthew Goodwin, professor da Universidade de Nottingham e especialista em movimentos de extrema-direita, sublinhando que é nestes pólos, cada vez mais opostos, que o Labour assenta a sua influência.
Uma análise realizada pelo jornal britânico, que compara os resultados do referendo às características das circunscrições, confirma que o “Brexit” conseguiu a maioria dos seus apoios em zonas onde a média do rendimento das populações é mais baixo, onde os residentes têm menos escolaridade ou, ao contrário do que acontece em Londres, têm uma maioria de população nascida no Reino Unido.
Divisões que o partido anti-europeu UKIP explora para aumentar a sua base de apoio fora das regiões do Sul (mais conservadoras), onde tem a sua génese, e que se galvanizaram perante o domínio que o tema da imigração assumiu nas últimas semanas de campanha. Para a população mais urbana, que vive em zonas mais diversas, a imigração significa crescimento económico e dinamismo. Para os outros, os 2,1 milhões de europeus a quem a livre circulação na Europa abriu portas representam competição pelo emprego, pela habitação e pelo acesso à saúde.
“O eurocepticismo é um problema complexo para o Labour, mas o cepticismo com a imigração está muito mais disseminado entre os eleitores tradicionais do partido do que os sentimentos anti-UE”, escreveu Goodwin, citando estatísticas que indicam que quase dois terços dos apoiantes do partido criticavam a falta de controlo do Governo britânico sobre as suas fronteiras.
A morte da deputada trabalhista Jo Cox, às mãos de um suspeito com ligações a grupos nazis, ou o repúdio gerado pela xenofobia patente num cartaz anti-imigração divulgada por Farage no mesmo dia, parecem não ter invertido esta tendência, ao contrário que indicaram as sondagens divulgadas nos dias seguintes.