Contagiados pelo "Brexit", partidos populistas exigem referendos
Fundador do Movimento 5 Estrelas quer referendo sobre permanência da Itália na UE. Marine Le Pen vai no mesmo sentido.
Ao prometer um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, o primeiro-ministro, David Cameron, abriu uma caixa de pandora, animando os eurocépticos por todo o continente, acusam vários críticos. E nos últimos dias, surgiram vários comentários que parecem dar-lhes razão.
Fortalecido pelas suas recentes vitórias nas autárquicas, o Movimento 5 Estrelas exige agora um referendo na Itália sobre a moeda única. “Queremos um referendo consultivo sobre o euro. O euro como está actualmente não funciona. Ou temos moedas alternativas ou um euro-2”, afirmou Luigi Di Maio, vice-presidente da câmara baixa do Parlamento, durante um talk show na terça-feira à noite. Uma das moedas seria para os países ricos, do Norte, outra para os países pobres, do Sul.
A lei italiana não contempla a possibilidade de referendos mudarem os seus tratados internacionais, pelo que a haver a auscultação esta seria apenas um teste à opinião pública. Mas uma vitória enviaria uma mensagem clara ao Governo de Matteo Renzi.
O partido populista e anti-sistema, fundado pelo humorista Beppe Grillo, venceu em 19 dos 20 municípios que foram a votos no domingo passado, incluindo a capital e a cidade industrial de Turim. Grillo também já tinha apelado a um referendo sobre se a Itália deveria permanecer na União Europeia. “Entrámos no Parlamento Europeu para mudar muitos tratados”, adiantou Di Maio, citado pela Reuters. “Estamos agora à espera dos resultados do referendo ao "Brexit". O mero facto de países como o Reino Unido estarem a referendar a saída da UE é um sinal do falhanço da União Europeia”, comentou.
Na semana passada, Nigel Farage, líder do UK Independence Party (UKIP, pró-"Brexit"), declarou que uma vitória do Movimento 5 Estrelas em Roma (onde o partido elegeu de facto a primeira mulher presidente de câmara da cidade) seria o princípio da desintegração da UE.
Num texto publicado esta quarta-feira pelo Guardian, o primeiro-ministro italiano apela aos britânicos que “não façam a escolha errada” nem troquem “a autonomia pelo isolamento, o orgulho pela fraqueza e a identidade pela auto-destruição”. E que votem para ficar “não por nós, mas por vocês”. “Não seria um desastre, uma tragédia ou o fim do mundo vocês no Reino Unido decidirem deixar a UE. Seria pior, porque seria a escolha errada”.
Há vários movimentos na Holanda e Dinamarca a exigir a realização de referendos à permanência na União Europeia. O holandês Geert Wilders, do Partido da Liberdade (anti-islâmico e anti-europeu, cada vez mais popular segundo as sondagens), já afirmou que um Brexit tornará mais fácil para os outros países enveredarem pelo mesmo caminho. Kristian Thulesen Dahl, líder do Partido Popular dinamarquês (que sustenta um Governo liberal minoritário) defende que os britânicos continuem na Europa mas apenas porque esta será a melhor forma de os próprios dinamarqueses renegociarem a sua posição na UE, escreve o Guardian.
Na Suécia, os Democratas Suecos (partido de extrema-direita, que teve nas eleições de finais de 2014 12,9%, e agora as sondagens dão entre 20% e 25%) são formalmente a favor da permanência. Mas avisam que a UE já “não é a mesma pela qual os suecos votaram” e que farão tudo para limitar a influência da União no país.
Também em França, Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (de extrema direita), apelou a um referendo no país sobre a “decadente” UE. “Eu votaria pelo 'Brexit' ainda que pense que a França tem mais mil razões para se ir embora do que o Reino Unido”, afirmou na terça-feira à noite. Face a uma Europa “totalitária”, “todos os países” deveriam referendar a permanência na UE, defendeu a eurodeputada. Numa entrevista à cadeia francesa TF1, Le Pen apresentou-se como “defensora da liberdade dos povos de decidir o seu próprio destino, de escolher as suas leis.”
“Há 11 anos que os franceses não são interrogados e a sua última palavra foi traída” pelos partidos tradicionais de esquerda e de direita, declarou, referindo-se ao referendo de 2005 sobre a Constituição europeia.
Desde a integração que “não paramos de avançar contra a nossa vontade, com a crise temos a zona económica mais fraca, uma taxa de desemprego que nunca foi tão alta, uma taxa de pobreza que explodiu na zona euro, temos fronteiras abertas, por onde passam todos os traficantes, terroristas, emigrantes económicos”, criticou Le Pen. “Qualquer que seja o resultado de quinta-feira, a UE está decadente, está a ruir por todos os lados. Podemos aguardar o dilúvio, a explosão, ou então sentarmo-nos a uma mesa e construir a Europa das Nações, que substituirá a UE totalitária que conhecemos hoje”.
O ex-Presidente Nicolas Sarkozy adiantou por seu lado que a chanceler alemã, Angela Merkel, está “pronta” a elaborar com Paris um “novo tratado europeu”. “A cada 20 ou 30 anos, o projecto europeu precisa de ser refundado para que as pessoas compreendam porque foi feita a Europa. A Europa foi feita para proteger, mas hoje ela não protege”, denuncia Sarkozy citado pela AFP. E acrescentou que “com ou sem "Brexit", o projecto europeu [tem de] ser refundado”. “Vamos respeitar a escolha dos britânicos e ver que consequências tiramos dela”.
Perante um encontro com simpatizantes do partido democrata-cristão da chanceler (CDU), e depois de um almoço com Merkel, Sarkozy afirmou: “Disse à chanceler que para salvar a Europa é preciso que nos próximos meses exista uma iniciativa franco-alemã, com um novo tratado, que mostra aos 450 milhões de europeus que entendemos o que eles nos dizem, que compreendemos o que sentem”. “Acho que a chanceler está pronta”.
Ainda na Alemanha, o presidente da Câmara de Dresden, cidade geminada com a britânica Coventry, lançou um apelo pelo “Remain”. Numa carta dirigida ao seu homólogo, Dirk Hilbert escreveu que as duas cidades partilharam um “destino comum” pela destruição na II Guerra Mundial, e que busca de ambos pela paz e reconciliação só foi possível por uma Europa unida. “Fiquem perto de nós e votem pela Europa!”