O LinkedIn foi trabalhar para a Microsoft. Falta saber porquê
A Microsoft fez a maior compra da sua história para ficar com uma rede social que não dá lucro. Agora quer pô-la ao serviço de muitas das suas ferramentas.
Do ponto de vista do utilizador comum, este negócio tem muitos ingredientes para ser um dos mais aborrecidos dos últimos tempos. As empresas não planeiam lançar nenhuma tecnologia profundamente transformadora, nem criar novos e apetecíveis aparelhos, alcançar novos picos de inteligência artificial ou criar mundos de realidade virtual. O negócio de 26 mil milhões de dólares que vai colocar a rede social LinkedIn sob a alçada da Microsoft tem, como não podia deixar de ser, tudo a ver com trabalho.
Tal como muitas coisas relacionadas com o mundo profissional, o LinkedIn não é uma rede social particularmente entusiasmante. A plataforma – que já foi lançada há treze anos, ainda antes do Facebook e do Twitter – serve para criar e manter contactos profissionais e disponibiliza ferramentas para quem procura emprego e para quem quer recrutar.
É o tipo de rede social onde os utilizadores colocam fotografias de si próprios de braços cruzados e pose confiante, em vez de fotos à beira mar ou com uma cerveja na mão (embora esta não seja uma regra seguida por todos); onde as partilhas são de apresentações de Powerpoint, de vídeos de conferências e de frases inspiradoras (supostamente) proferidas por presidentes executivos e gurus de negócios; e é uma rede social onde os títulos profissionais mais simples são embelezados com palavras de jargão empresarial: um vendedor facilmente se transforma num consultor de vendas e um freelancer num CEO (ainda que de uma empresa que só tem uma pessoa).
Na semana passada, a Microsoft anunciou a compra do Linkedin, numa aquisição que será feita inteiramente em dinheiro e que deverá estar concluída este ano. A transacção vai ser financiada com dívida. Apesar de a Microsoft ter dinheiro que chegue para comprar quatro vezes o LinkedIn, isso provavelmente implicaria transferir fundos para os EUA e pagar os respectivos impostos.
Mesmo para os padrões dos gigantes da tecnologia, 26 mil milhões de dólares (cerca de 23 mil milhões de euros) é um montante considerável. O Facebook, por exemplo, pagou 19 mil milhões (a maior parte dos quais em acções) pela aplicação de mensagens WhatsApp. O Google ficou com a Motorola por 12,5 mil milhões. A compra do LinkedIn é a terceira maior de sempre no sector das tecnologias de informação: no ano passado, a Dell comprou a empresa de serviços empresariais EMC por 67 mil milhões de dólares e, em 2001, a HP tinha comprado a Compaq por 34 mil milhões.
Olhando apenas para a lista de compras da Microsoft, este é, de longe, o maior negócio. Em 2007, numa tentativa de não deixar o Google fugir no mercado dos anúncios online, a Microsoft comprou a empresa de publicidade online aQuantive, por 6200 milhões de dólares. Em 2011, pagou 8500 milhões pelo Skype, a conhecida ferramenta de chamadas pela Internet. Dois anos depois, anunciou a compra da divisão de telemóveis da Nokia, num negócio de 7200 milhões.
O LinkedIn é também a primeira aquisição de peso da Microsoft desde que o actual presidente executivo, Satya Nadella, assumiu o cargo, em 2014. No panorama recente da bolsa, o preço significa um bom prémio para os investidores, que têm visto as acções a descer: a 196 dólares por acção, o valor a pagar pela Microsoft fica 50% acima da cotação do dia 10, quando a compra foi anunciada. Na segunda-feira seguinte, a cotação disparou de 131 para 192 dólares, patamar em que se tem mantido desde então. Ainda assim, as acções estão a uma grande distância dos 269 dólares que chegaram a valer em Fevereiro do ano passado.
Os números espelham a preocupação dos investidores com um negócio que não dá dinheiro, embora esteja em crescimento. A rede social tinha no final do primeiro trimestre 433 milhões de utilizadores registados, mas apenas 106 milhões usavam a ferramenta pelo menos uma vez por mês. Por comparação, o Facebook tem 1650 milhões de utilizadores activos mensalmente e o Twitter (outra rede social que dá prejuízo) anda à volta de 310 milhões. As receitas do LinkedIn cresceram 35% nos primeiros três meses deste ano, para 861 milhões de dólares, mas os resultados continuam no vermelho, com o prejuízo a ascender aos 46 milhões.
A ideia da Microsoft parece ser a de integrar o LinkedIn em vários dos seus produtos, sobretudo naqueles que se destinam a uso profissional. “A equipa do LInkedIn fez crescer um negócio fantástico, centrado em ligar profissionais de todo o mundo”, afirmou Nadella, no comunicado em que o negócio foi anunciado, com as habituais frases de entusiasmo que são obrigatórias nestas ocasiões. “Juntos podemos acelerar o crescimento do LinkedIn, bem como do Microsoft Office 365 [o pacote que inclui o Word e o Excel] e do Dynamics [um pacote de ferramentas de planeamento empresarial e relação com clientes]”, prosseguiu Nadella.
As declarações do fundador e presidente do LinkedIn, Jeff Weiner, foram ainda mais vagas: “Tal como mudámos a forma como o mundo se liga a oportunidades, esta relação com a Microsoft, e a combinação da sua cloud e da rede do Linkedin, dá-nos a hipótese de também mudar a forma como o mundo trabalha”.
Um email enviado por Nadella a funcionários da Microsoft, e entretanto divulgado pela empresa, traça um cenário um pouco mais concreto, muito embora algo peculiar. Uma das funcionalidades passa por ter o Office a sugerir uma pessoa que esteja no LinkedIn para ajudar o utilizador na tarefa que estiver a levar a cabo: se alguém estiver a escrever sobre redes sociais, é bem possível que uma notificação no Word sugira um dos muitos “social media experts” que pululam pela rede social.
Para alguém que tenha usado produtos da Microsoft há 20 anos, é quase impossível ler aquelas palavras e não pensar numa espécie de versão mais moderna e conectada do Clippy, o assistente virtual da Microsoft da década de 1990. Tinha a forma de um clip, surgia frequentemente quando não era preciso e acabou por tornar-se uma piada, sendo amplamente ridicularizado e dando o mote a inúmeras paródias. A Internet já se encarregou de assegurar que o paralelo entre aquele tropeção da Microsoft e a compra do LinkedIn não passa despercebido.
Uma apresentação partilhada pela Microsoft dá mais pistas para o que poderá vir a ser a integração. A assistente virtual Cortana (que a empresa inclui no Windows) poderá vir a usar a rede de contactos do LInkedIn para dar ao utilizador informação sobre as pessoas com este quem vai ter uma reunião. “No futuro, a Cortana vai também conhecer toda a sua rede profissional”, diz a apresentação. Ao lado do texto, uma imagem mostra uma mulher a ser informada pelo telemóvel de que se vai reunir com uma pessoa que estudou na mesma universidade e com quem tem um contacto profissional em comum.
A apresentação continua na mesma senda: com o LinkedIn, os produtos profissionais da Microsoft poderão sugerir aos funcionários das empresas que tipo de formações devem fazer e os gestores poderão perceber melhor o tipo de talento que têm nas respectivas equipas. E o Bing, o motor de busca da Microsoft que nunca conseguiu grande quota de mercado, poderá beneficiar de uma pesquisa que inclui a base de dados de profissionais inscritos na rede social. São cenários apresentados apenas como possibilidades, mas a visão da Microsoft faz questão de tocar nos mais populares programas da empresa: Word, Excel, Outlook, Skype, entre vários outros.
A ideia de integrar o LinkedIn no software da Microsoft já suscitou recepções pouco calorosas. O historiador e escritor Randal Stross, num artigo de opinião no New York Times, foi peremptório. “Se estou a trabalhar no Word, não consigo ver porque é que gostaria da intrusão sequer de um amigo, quanto mais de um programa de computador a falar-me de um desconhecido retirado da base de dados do LinkedIn. A minha versão do Word, relativamente recente, não é assim tão diferente do original (...). Não está ligado aos meus amigos, família ou contactos profissionais. Escrever no Word pode bem ser o único momento em que estou no computador e em que posso manter longe as incontáveis distracções do mundo conectado”. Em abono da Microsoft, a ideia de ter pessoas a trabalhar no mesmo documento não é inusitada e já faz parte não apenas do próprio Word, mas de serviços como como o Google Docs.
O futuro do LinkedIn ainda é, sobretudo, matéria para especulação, embora a história recente da Microsoft mostre compras que se revelaram desastradas. No ano passado, a empresa assumiu que a aquisição dos telemóveis da Nokia se traduziu em activos praticamente sem valor. Em 2012 tinha feito o mesmo com a aQuantive. Já o Skype continua a operar como uma subsidiária e a ser uma ferramenta popular para conversas online. E também há aquisições que se traduziram em produtos essenciais para a empresa. Em 1987, quando a era dos computadores pessoais ainda estava na infância, a Microsoft gastou 14 milhões de dólares numa empresa chamada Forethought. A Forethought tinha desenvolvido um programa de apresentações chamado Powerpoint.