Todos os votos (mesmo todos) contam para desbloquear a Espanha
Seis meses depois, nova ida às urnas não garante solução de governo. Rajoy apela ao “voto moderado” contra o “extremismo” da coligação Unidos Podemos. Líder socialista garante que Iglesias não será primeiro-ministro.
Podia ser o resumo da recta final da campanha espanhola para as eleições do desempate: “Ou populares ou Podemos; ou moderados ou morados [roxos, a cor do partido de Pablo Iglesias]; ou Iglesias ou Rajoy; ou PP ou Podemos”. Foi assim que o líder dos conservadores da cidade de Málaga, Elías Bendoto, animou os apoiantes no comício de segunda-feira à noite, antes de dar a palavra a Mariano Rajoy.
Os espanhóis regressam às urnas no domingo, exactamente seis meses depois de terem votado, a 20 de Dezembro, nas eleições que confirmaram o fim do bipartidarismo, com o Podemos, herdeiro do movimento dos Indignados, a impor-se como terceira força política nas suas primeiras legislativas. Com o Congresso mais dividido de sempre e sem soluções óbvias para chegar à maioria e à governabilidade, os partidos ensaiaram negociações sem nunca deixarem de estar em campanha.
A grande diferença é que agora que se juntou à Esquerda Unida (federação que inclui o Partido Comunista), a formação de Iglesias não só ultrapassou o Partido Socialista (PSOE) em todas as sondagens como morde os calcanhares ao PP em algumas.
Do lado da nova coligação Unidos Podemos, o discurso “nós ou a austeridade da direita” foi o eleito. O rival declarado é Rajoy, ao mesmo tempo que era obrigatório tentar sarar as feridas com o PSOE e tratar o partido como potencial parceiro.
Já para o PP esta última semana é de luta pelo voto útil. “Os inquéritos coincidem que o Podemos é o segundo porque conseguiu aliar-se à Esquerda Unida. Logo, para ganhar as eleições ao Podemos todo o voto moderado, sensato e equilibrado de toda a Espanha tem de se unir em torno do primeiro partido”, martela Rajoy. “A união faz a força e essa é a chave até ao fim da campanha: só uma coligação de gente em volta do PP pode parar o radicalismo e o extremismo.”
O PP vence em todos os inquéritos, mas a soma dos seus eleitos aos do partido centrista Cidadãos – o único que admite entrar num governo com os conservadores – nunca alcança a maioria. Rajoy só poderia continuar no poder através de uma grande coligação. À esquerda, o cenário pode ser outro. Algumas das últimas sondagens (a lei eleitoral proíbe que sejam publicadas nos últimos cinco dias de campanha) antecipam uma maioria de esquerda, com a soma PSOE e Unidos Podemos a chegar os 176 deputados que garantem a maioria absoluta. O problema é que o PSOE exclui dar posse a qualquer executivo que não tenha como chefe o seu líder, Pedro Sánchez.
“Apoiar um Governo do PP seria trair os eleitores socialistas”, é uma das frases que Sánchez mais repete por estes dias. “Pablo Iglesias não vai ser presidente do Governo”, é a outra. Ou seja, os socialistas recusam uma grande coligação mas também não vão negociar com a sua esquerda se ficarem mesmo em terceiro. O PSOE nunca perdoará a Iglesias a ultrapassagem nas urnas, como já não perdoara que os deputados do Podemos tivessem chumbado um executivo de minoria socialista, em Março.
Muitos lugares, poucos votos
Sánchez dedica-se assim a uma espécie de fuga para a frente, ignorando as sondagens e tentado aproveitar ao máximo a campanha para recuperar votos. “Os espanhóis não têm de escolher entre o que é mau [Rajoy] e o que é pior [Iglesias]”, diz. Também podem votar PSOE: “Encorajo os três milhões de indecisos [500 mil destes estarão divididos entre PSOE e Unidos Podemos] a apoiarem o PSOE, a única saída do bloqueio em que Rajoy e Iglesias puseram a Espanha”, afirmou o candidato à rádio Onda Cero.
Contra Iglesias, PSOE, PP, e Cidadãos, de Alberto Rivera, partilham um objectivo comum: tentar limitar os resultados da nova coligação de esquerda nos círculos pequenos. É nas províncias médias e pequenas que as sondagens indicam que a aliança Unidos Podemos pode eleger 20 deputados que escaparam ao Podemos em Dezembro – muitos lugares decididos por muito poucos votos e, em teoria, ao alcance de todos.
O PP concentra o esforço em várias províncias da Andaluzia, enquanto o PSOE duplica o número de acções em relação à primeira semana de campanha (de 700 passa para 1300), apostando em alguns destes círculos. Para os centristas de Rivera, o objectivo é conquistar dois pontos mais do que os 13,9% de Dezembro, uma pequena diferença percentual que se traduzirá em dez a 15 deputados, roubados precisamente ao movimento de Iglesias.
É o tudo ou nada nas eleições do desempate para evitar que tudo fique na mesma. Quando chegar a meia-noite de sexta-feira já nada haverá a fazer a não ser esperar. Sabendo-se que para a noite de domingo há poucas certezas para além de que todos passarão várias horas de calculadora na mão.