Jardim retirou-se, mas os tribunais não o esqueceram

Durante anos, a imunidade protegeu o ex-presidente do governo da Madeira dos excessos de linguagem e de suspeitas de outros abusos na acção política. Mas desde Março de 2015, quando saiu da Quinta Vigia, os processos judiciais começaram a chegar.

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Alberto João já se sentou três vezes no banco dos réus rui gaudêncio

Um, dois, três. Quando Alberto João Jardim se sentar em Outubro no banco dos réus do Tribunal da Comarca da Madeira, para responder a um crime de violação da Lei Eleitoral, será a terceira vez, desde que saiu da presidência do governo madeirense, em Março do ano passado, que será chamado a prestar contas na justiça pela forma como comandou os destinos do arquipélago durante mais de três décadas.

A primeira sessão do julgamento, em que o ex-presidente do governo da Madeira é acusado de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, durante a campanha autárquica de 2009, esteve marcada para a última sexta-feira, mas acabou adiada para 21 de Outubro.

Foram situações no âmbito das eleições autárquicas. A queixa foi apresentada pelo extinto PND, motivada por dois momentos na campanha, em que Jardim utilizou, segundo o entendimento da acusação, duas inaugurações para apelar ao voto no seu partido. o PSD. Numa delas foi necessária a intervenção da PSP, que fez um cordão policial para proteger os militantes do PND que protestavam no local contra o que consideravam serem “inaugurações eleitoralistas”.

Do processo constavam também duas acusações da prática de violação da Lei Eleitoral para a Assembleia da República. Em causa situações semelhantes: em duas intervenções públicas, feitas na qualidade de governante, Jardim apelou ao voto em Manuela Ferreira Leite, líder e cabeça de lista do PSD nas legislativas. A acusação não avançou porque a juíza considerou os dois crimes extintos por prescrição.

Depois de nos últimos anos de governação ter estado sob o chapéu-de-chuva da imunidade parlamentar de que gozam deputados e membros do executivo - cujo regime, na região autónoma, só foi revisto depois das regionais do ano passado -, os processos que durante anos estavam bloqueados nos tribunais madeirenses começaram a avançar. Desde que abandonou a Quinta Vigia, Jardim já foi constituído arguido em outros dois processos, um dos quais, por difamação, ocorreu há 22 anos.

Só na última legislatura de Alberto João Jardim, a Assembleia Legislativa da Madeira recebeu uma centena de pedidos de audições a deputados e governantes. A esmagadora maioria ficou sem resposta, fazendo com que 60 processos criminais ficassem bloqueados, por recusa dos parlamentares e membros do governo em serem ouvidos como testemunhas ou arguidos.

À cabeça destes processos estavam os nomes de Jardim, do ex-líder parlamentar do PSD Jaime Ramos, do antigo presidente da assembleia madeirense, Miguel Mendonça, mas também deputados da oposição como o socialista Jacinto Serrão, o centrista Lino Abreu (condenado no início do mês por corrupção) ou o parlamentar do PTP José Manuel Coelho. Até agora, do regime jardinista, apenas Mendonça foi a tribunal, já que o ex-presidente do governo regional tem conseguido adiar sucessivamente os inícios dos julgamentos através de vários expedientes jurídicos.

Exemplo é o processo movido pelo militante socialista António Loja, cuja primeira sessão estava marcada para 17 de Fevereiro e já foi adiada duas vezes. O julgamento, em que o ex-presidente madeirense é acusado dos crimes de difamação, injúrias e abuso de liberdade de imprensa, tem por base dos artigos de opinião assinados por Jardim no Jornal da Madeira, que era politicamente controlado pelo executivo regional. A queixa do visado foi apresentada de imediato, e como na altura apenas os deputados gozavam de imunidade, o processo foi avançando até Jardim decidir usar o estatuto de conselheiro de Estado, inerente ao cargo de presidente de um governo de uma região autónoma.

Com isso, o processo foi congelado, não contando o tempo para que pudesse prescrever. António Loja, a quem Jardim chamou de “ordinarote”, “homenzinho” e “pirado” em dois artigos com o título A loja dos rancores, publicados a 23 e 26 de Novembro de 2016,  não desistiu e quando a imunidade terminou deu andamento ao processo.

E como não há duas, sem três, o ex-governante foi, em Março último, constituído arguido no âmbito do processo Cuba Livre, uma investigação que remonta a 2011 e debruça-se sobre a forma como 1,1 mil milhões de euros foram ocultados das contas nos orçamentos regionais entre 2003 e 2010.

O processo, que Jardim diz resultar de uma “vingança política”, tinha sido arquivado em 2014 pelo Ministério Público, mas foi reaberto depois de dois dirigentes do extinto PND, Baltasar Aguiar e Gil Canha, e do presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Filipe Sousa - que estiveram na origem da denúncia -, terem requerido a instrução do processo, apresentando mais dois suspeitos: Alberto João Jardim e o ex-vice-presidente do executivo madeirense, João Cunha e Silva.

Em causa estão dois crimes de prevaricação com dolo, um de violação das normas de execução orçamental e outro de abuso de poder. Jardim foi ouvido em Abril, negando em tribunal qualquer envolvimento na ocultação da dívida, que definiu como um “erro” contabilístico que foi detectado e corrigido pelo próprio executivo do Funchal.

Ainda não é conhecida a decisão da juíza sobre se arquiva o processo ou avança para julgamento.

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