Um acordo bilateral para os imigrantes portugueses “é perfeitamente alcançável”, diz Santos Silva

O chefe da Diplomacia portuguesa diz que é preciso evitar qualquer “precipitação integracionista” e manter o Reino Unido como pilar da segurança europeia, reforçando a NATO.

Foto
Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, defendeu o acesso das secretas aos metadados Enric Vives-Rubio

Augusto Santos Silva aponta dois riscos maiores que a Europa tem de evitar, se tiver de gerir uma decisão britânica de abandonar a União Europeia. O primeiro é recusar uma qualquer “precipitação integracionista”, provavelmente “a pior coisa que as elites europeias poderiam fazer, desdenhando do que pensam os europeus”. O segundo é negociar as condições de saída de tal forma que não signifique “um rombo na arquitectura de segurança e defesa europeia”, que não dispensa, em qualquer circunstância, o reino Unido. Como é que isso se faz? “Vinculando à NATO as capacidades europeias” de defesa, em vez de andar à procura de fórmulas como um “exército europeu”. Ou seja, conseguir preservar através da NATO e de “uma relação fortalecida entre a União Europeia e a NATO”, um pilar da segurança que é fundamental.

Há ainda um terceiro vector que o ministro português considera fundamental em caso de uma negociação: “garantir, de alguma forma, que o motor económico britânico se mantenha no avião europeu”. A fórmula é encontrar acordos que permitam manter a contribuição britânica em matérias em que é muito forte, da competitividade à energia, passando pelos tratados comerciais. Tudo isto será possível, diz o ministro, se a Europa afastar qualquer atitude revanchista na sua resposta à uma eventual saída.

Esclarecidos estes três pontos essenciais, numa breve entrevista ao PÚBLICO, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros admite que a crise provocada por um eventual “Brexit” somar-se-ia às muitas outras crises que a Europa tem de gerir e que, em seu entender, não são menos importantes. Essas crises, já as conhecemos. A Europa enfrenta um risco sério de “desafectação dos europeus em relação às instituições europeias e ao ideal europeu”. Tem de lidar com o problema da sua segurança face à ameaça terrorista, sobretudo de um tipo novo de terrorismo doméstico. Precisa de encontrar “uma resposta humanitária” para a crise dos refugidos. Finalmente, com tudo isto mais um eventual “Brexit”, “enfrenta um sério risco de desagregação”. “É preciso reagir com sangue-frio, não entrar em pânico e saber evitar o efeito dominó, sobretudo em países que se sentem mais próximos do Reino Unido, como a Holanda, a Dinamarca ou a Polónia.” Portugal, que tem em comum com esses países uma componente atlântica na sua inserção europeia e que “mantém e manterá uma forte relação histórica e atlântica com o Reino Unidos”, precisa de articular esta relação com a sua opção pela união monetária. “Em termos de segurança, mantemos um vector atlântico com o Reino Unido, ao mesmo tempo que, em termos de integração económica, quase nunca estamos com ele.” Aliás, o ministro vê nesta relação histórica com as ilhas britânicas a possibilidade de negociar bilateralmente uma matéria essencial, que é a situação dos muitos imigrantes portugueses a viver naquele país. “Esse acordo bilateral deve favorecer especificamente os imigrantes portugueses e é perfeitamente alcançável.” O ministro lembra que Portugal apenas cedeu a David Cameron os limites à livre circulação e à não discriminação dos imigrantes europeus, porque “era preciso esse esforço para salvaguardar as melhores condições para a sua permanência na Europa.” Fez, aliás, o mesmo que a Alemanha, que começou por considerar esse princípio como inegociável.

Finalmente, o ministro considera que a “grande resposta que deve ser dada a um eventual desaire britânico é a Europa ser capaz de reordenar a sua escala de prioridades, levando em conta o que querem verdadeiramente os europeus. “Querem segurança, querem liberdade e querem prosperidade”. Para isso, “a União Económica e Monetária precisa de mais política económica e menos ortodoxia financeira”.  

O debate sobre o “Brexit” tem rareado em Portugal, mesmo que não se prevejam grandes divisões, nomeadamente entre o PS e o PSD. Mas não se pode dizer que o tema seja completamente pacífico. Num recente debate organizado pelo IPRI e a Universidade Nova de Lisboa, foi possível detectar uma diferença na forma como José Lamego, do PS, e José Matos Correia, do PSD, encaram a situação, mesmo que a título individual. O deputado do PSD defendeu a fórmula clássica da componente atlântica da nossa política externa, de resto próximo das ideias de Augusto Santos Silva. Lamego defendeu que essa era uma realidade do passado e que hoje a aliança fundamental devia ser com a própria Alemanha, para preservar o estatuto de membro da zona euro, qualquer que seja a evolução europeia.

Sugerir correcção
Comentar