Rendimento Básico Inevitável?
Esperemos que o referendo suíço, onde ela foi rejeitada, permita discutir seriamente esta proposta alternativa.
Suíça, 5 de junho de 2016. Chamados a pronunciar-se, em referendo, sobre a implementação de um Rendimento Básico Incondicional (RBI) os suíços rejeitam a proposta, por uma diferença significativa: 76,9% votam contra, 23,1% a favor. Os números sugerem uma retumbante derrota. Mas terá sido esse o caso? Alguns factos podem indicar o contrário: a proposta apontava para um valor verdadeiramente elevado (2500 francos suíços para os adultos, 625 para as crianças); a Suíça é um país no qual não se esperava que uma proposta de RBI pudesse imediatamente granjear simpatia, dado o nível de rendimento per capita, a baixa taxa de desemprego e a taxa de pobreza também relativamente baixa. Não é de estranhar, tendo em conta estes dados, o insucesso nas urnas. Ainda assim, quase uma em cada quatro pessoas votou favoravelmente uma proposta que tinha tudo para parecer exótica. A consequência foi que esta ideia teve uma divulgação inédita. Apesar da derrota, o referendo suíço tem aparecido como uma importante etapa na marcha para uma implementação futura ou, pelo menos, no caminho para uma discussão séria e alargada. Passado o primeiro momento de estranheza face a uma ideia que para muitos parece ser contra-intuitiva, façamos uma breve reflexão sobre a probabilidade de uma medida deste género poder vir a ser implementada no futuro.
Vemos o desemprego como um dos maiores flagelos da sociedade e temos boas razões para o fazer, dados os efeitos económicos que gera e as consequências dramáticas na vida das pessoas. Podem discutir-se, no curto ou médio prazo, medidas de redistribuição do trabalho que permitam mitigar este problema. Mas se tivermos em conta uma perspetiva temporal mais longa, a manterem-se as atuais dinâmicas de crescente automatização de grande parte das tarefas, parece incontornável que se continue a verificar uma diminuição cada vez mais acentuada da necessidade de mão-de-obra. Não será talvez descabido que o RBI venha, então, a significar um Rendimento Básico... Inevitável. Neste momento, o seu estatuto mais não é que o de uma utopia realista, uma ideia não concretizada, radical, mas realizável.
Fazer este exercício de futurologia é fácil. Mais complicado, porém, é chegar a um amplo consenso normativo sobre os detalhes de uma possível implementação do RBI. Mas é essa, porventura, a tarefa mais decisiva e para a qual o referendo poderá ter aberto portas. Há quem veja no RBI o conciliar dos ideais da liberdade e da igualdade e, portanto, das sensibilidades políticas liberais e sociais-democratas. Parece-nos, no entanto, que uma das formas de matar uma ideia é associar-lhe expectativas tão elevadas que, por melhor que seja, irá dececionar. É por isso importante fazer uma análise cautelosa. A vantagem de uma medida pré-distributiva como o RBI é evidente do ponto de vista da potenciação da real liberdade de escolha da forma como cada um quer viver a sua vida mas é também inegável que o RBI, se considerado isoladamente, seria um Rendimento Básico... Insuficiente. É que julgar que qualquer medida de distribuição de rendimento seria, por si só, suficiente para resolver problemas sociais como a desigualdade é ilusório. Por conseguinte, qualquer alteração às funções sociais do Estado que decorresse da implementação do RBI teria de ser cuidadosamente ponderada. A manutenção de políticas públicas nos domínios da saúde e da educação são os exemplos mais comummente invocados, mas não são os únicos domínios onde o RBI não poderia simplesmente substituir o papel fundamental do Estado. Em síntese, a implementação de um RBI será talvez inevitável mas também insuficiente. Para que ela se torne numa política pública viável, ainda terá que percorrer um longo caminho, através do qual esta ideia inspiradora se poderá eventualmente concretizar num conjunto de passos intermédios concretos e bem ponderados. Esperemos que o referendo suíço permita discutir seriamente esta proposta alternativa fazendo do RBI um Rendimento Básico… de discussão Inadiável.
Docentes Católica Porto Business School