O porno de arte
Com personagens sem interesse interpretadas por actores muito maus, e os diálogos mais histéricos, mais mal escritos e mais mal ditos que se viram em muito tempo. Dava vontade de rir, se não chateasse tanto.
Em Love, história de um estudante de cinema, há cartazes do M de Lang ou do Nascimento de uma Nação de Griffith a decorar a casa das personagens, mas o único filme explicitamente mencionado é o fétiche de Gaspar Noé, o 2001 de Kubrick. Nem precisava de o dizer, porque Love, e Enter the Void já era assim, é um objecto que se imagina - entre o formalismo glacial que domina a composição simetrica dos enquadramentos e a narração interiorizada, alucinada, como o fluxo de (in)consciência da “trip” do astronauta - a “refazer”, como variação infinita, o ex-libris kubrickiano. Isso, mais sexo - ou a “sexualidade sentimental”, como na frase mais auto-justificativa de todo o filme o protagonista resume enquanto projecto do seu próprio filme (que, no fundo, é o projecto do filme de Noé).
Pode-se pôr a questão: um filme que paga a actores profissionais para interpretarem a “sexualidade sentimental” tem esperança de a filmar ou está condenado a ficar apenas com a “sexualidade profissional”? Há qualquer coisa de quixotesco nesta obsessão de Noé por filmar o “infilmável”, mas, como é óbvio, ele fica-se apenas pelo “filmável”: o sexo, usado como “gimmick”, a invenção (?) do “porno de arte”, a descoberta do “ponto de vista da vagina durante o coito” (inacreditável), a ejaculação 3D (o plano mais inacreditavelmente pateta de todo o filme). Mas depois, tirem-se estes truques e estas ousadias (se se lhes pode chamar assim, quando o “porno” deixou de ser assunto de salas semi-clandestinas para estar à distância de um clique na internet), e fica-se com quê? Com personagens sem interesse interpretadas por actores muito maus, e os diálogos mais histéricos, mais mal escritos e mais mal ditos que se viram em muito tempo. Dava vontade de rir, se não chateasse tanto.