As contradições de Omar Mateen contaminam o seu alegado radicalismo

O atirador de Orlando foi interrogado no passado sobre possíveis ligações jihadistas. Mas o seu comportamento religioso e as dúvidas sobre a sua sexualidade parecem comprometer o seu radicalismo islâmico.

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Auto-retrato de Omar Mateen publicado no MySpace. DR

O Estado Islâmico descentralizou o terror como nenhum outro grupo terrorista islâmico. Fê-lo pela primeira vez em Setembro de 2014, quando se apercebeu das dificuldades em receber combatentes ocidentais que pudesse treinar e enviar de volta para os seus países como células adormecidas. Para não perder a aura de ubiquidade terrorista, o suposto califado apelou a que os seus apoiantes atacassem alvos domésticos sem pedir autorização e sem ter em conta o seu valor. Em Maio, o porta-voz do grupo jihadistas repetiu o pedido. “A mais pequena operação que vocês realizarem no coração da terra deles é mais cara do que a maior operação realizada por nós”, disse Abu Muhammad al-Adnani, preparando um Ramadão sangrento.

Na madrugada de domingo, momentos depois de ter matado dezenas de pessoas numa discoteca gay em Orlando, na Flórida, Omar Mateen telefonou aos serviços de emergência norte-americanos e professou lealdade ao suposto califa do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi. Os apelos do grupo pareciam ter sido ouvidos. Nas horas e dias que se seguiram, meios e apoiantes dos jihadistas elogiaram as acções de Mateen e apresentaram-no como um “soldado do califado”, como fizeram antes com os homens que atacaram Paris e Bruxelas. Mas a investigação ao homem que matou 49 pessoas começa a revelar comportamentos religiosos e sexuais que comprometem a figura do radical que Mateen e o Estado Islâmico reclamam.

Nesta terça-feira multiplicaram-se relatos de que Omar Mateen, que dizia em público ter ódio a homossexuais, era ele mesmo cliente habitual da discoteca gay que atacou no domingo. Foi lá que conheceu pelo menos dois homens, que depois contactou na tentativa de combinar encontros românticos. Kevin West, um deles, afirma que recebeu mensagens esporádicas de Mateen ao cabo de um ano e que o último convite surgiu há cerca de três meses. O segundo homem, Cord Cedeno, assegura que o atacante de Orlando participava em portais de encontros homossexuais na Internet. “Usava abertamente a sua fotografia nos sites; era fácil de reconhecer”, explica, citado pelo Washington Post.

O FBI não confirmou ainda estas informações, que vêm reforçar a ideia de que o atentado de domingo se pode dever mais à instabilidade na vida pessoal de Mateen do que propriamente ao seu radicalismo islâmico. A sua ex-mulher, aliás, que disse já que Mateen nem sempre se comportava como um muçulmano religioso, deixa em aberto a possibilidade ele ter sido secretamente homossexual, embora nunca o tivesse demonstrado. “Não falávamos muito com ele”, explica ao diário Orlando Sentinel Ty Smith, um outro cliente habitual da discoteca Pulse, que diz ter visto Mateen várias vezes na discoteca. “Por vezes ficava num canto, sentava-se e bebia sozinho; noutras ocasiões ficava tão bêbado que se tornava irascível e beligerante.”

Contradições extremistas

O facto de Mateen ter frequentado centros de convívio gay é já de si uma contradição substancial com grupos extremistas islâmicos, principalmente com o próprio Estado Islâmico, que se celebrizou com vídeos em que mata homens que suspeita serem homossexuais atirando-os do topo de edifícios. Mas este não é o único contraste em Mateen, que, para além disso, bebia álcool e barbeava-se — comportamento incomum entre jihadistas.

O atacante de Orlando esteve quase um ano na lista de possíveis terroristas do FBI. Apareceu uma primeira vez no radar das forças de segurança em 2013, depois de dizer a alguns colegas de trabalho que pertencia a organizações extremistas no Médio Oriente e desejava que o FBI fizesse uma rusga à sua casa para que pudesse morrer como um mártir.

Mas Mateen dizia pertencer a grupos tão díspares como a Frente al-Nusra e o Hezbollah, duas organizações que não podiam estar mais afastadas: a primeira é um grupo fundamentalista sunita com ligações à Al-Qaeda; o segundo é uma milícia xiita baseada no Líbano e com ligações ao Irão. Para além de serem rivais na guerra da Síria, são também adversários do Estado Islâmico.

A polícia americana vigiou-o, analisou as suas contas bancárias, enviou um agente sob disfarce e até pediu ajuda à Arábia Saudita, onde Mateen esteve duas vezes em peregrinação. O norte-americano justificou-se dizendo que queria apenas assustar os seus colegas, que o gozavam por ser muçulmano. Foi interrogado uma terceira vez em Julho de 2014, quando um outro norte-americano da sua mesquita e seu conhecido se fez explodir com um camião bomba na Síria.

Mateen foi retirado da lista de potenciais terroristas por falta de provas de que estivesse de facto ligado a um grupo extremista ou a preparar-se para um atentado como o de domingo. Mas são os motivos dos atentados — mais do que os indícios da sua preparação — que podem iludir os investigadores, como explica ao New York Times o investigador em militância islamista Will McCants: “O caminho para estes indivíduos chegarem a este ponto é muito complexo, e se tentarmos reduzi-lo a um factor vamos perder muita dessa complexidade.”

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