Montepio defende abertura do banco a accionistas “da economia social”
José Félix Morgado, presidente da Caixa Económica Montepio Geral, garante regresso aos lucros "o mais tardar em 2017", como resultado da estratégia de ajustamento do banco às condições de mercado.
Quando José Félix Morgado chegou à Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), o braço financeiro da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), o contexto era de turbulência. Nove meses depois, o actual presidente da CEMG (hoje a gestão do banco e a da AMMG, liderada por Tomás Correia, são independentes) explica que a estratégia de reorganização vai dar frutos o mais tardar em 2017, ano de regresso aos lucros. E levanta o véu sobre o que “julga” que pretende o seu accionista, a AMMG: que o capital da CEMG seja aberto a outras instituições portuguesas da área da economia social. Félix Morgado defende que a parte boa do Novo Banco deve servir para reforçar o BCP e consolidar o sistema bancário ainda com centro de decisão em Portugal.
Quando no Verão de 2015 chegou à CEMG (a partir daqui designada de banco Montepio) para substituir Tomás Correia o que o surpreendeu?
Devo dizer que todas as situações que encontrei estavam identificadas, embora carecendo de gestão. Portanto, em termos gerais, não tive surpresas, mas em termos de trabalho houve, e há situações, decorrentes do quadro económico e do risco de stress.
Portanto, as contas do banco Montepio estavam limpas e sem problemas?
Se não houvesse problemas eu não teria vindo para aqui.
Porque a anterior equipa de gestão do banco presidida por Tomás Correia não os resolvia?
Resolvia, com certeza. Mas tudo tem de ter um certo enquadramento e esta governação está focada no negócio do retalho. Penso eu, com vantagem para a instituição
No ano passado o Montepio teve um prejuízo de 243,4 milhões, que compara com um prejuízo de 187 milhões em 2014. Para quando está previsto o regresso aos lucros?
O banco terá este ano alguns resultados trimestrais positivos. Estamos a fazer o nosso caminho e, no máximo, em 2017, regressa aos lucros. No máximo, repito. E pode acontecer antes. Para que se perceba: o banco [Montepio] entrou mais tarde no túnel e só em 2013 é que teve pela primeira vez prejuízos. Mas vai sair mais cedo do que o resto do sector, que está negativo há cinco anos.
É a vantagem de ser um banco pequeno?
Instituições com dimensão menor têm maior capacidade de resposta e de mobilização que permite a resolução mais rápida dos problemas.
Numa altura em que, aparentemente, o banco já está a fazer progressos, a agência de rating Moody’s anunciou que reviu em baixa a notação do Montepio e passou a perspectiva de estável para negativa. Esta deliberação é para levar a sério?
Acho que não tem impacto e que a situação é pontual. Em processos de reestruturação, antes dos resultados positivos, há sempre indicadores que não reflectem de imediato a melhoria. A revisão refere-se unicamente ao médio e longo prazo, já que a notação de curto prazo se manteve. E a Moody’s é influenciada pelo clima de incerteza em torno da evolução da economia e da necessária estabilidade política.
No programa de reestruturação, o Montepio prevê gastar 39 milhões de euros até final deste ano. No primeiro trimestre gastaram 9,2 milhões com a saída de cerca de 200 trabalhadores. Onde vai ser aplicada a restante verba?
Não são 39 milhões, é menos. E esse valor incluía a dotação do fundo de pensões dos cerca de 200 trabalhadores, à volta de 32 milhões.
Quer comentar a turbulência que se verifica à volta das rescisões/despedimentos no Montepio?
Está tudo explicado.
Como responde aos que dizem que os problemas do banco associados a má gestão estão a ser resolvidos à custa dos mutualistas, que em 2015 rondavam os 650 mil?
Respondo com um facto: o banco é hoje uma entidade autónoma da Associação Mutualista. E segue um plano estratégico com três focos. Um deles é a dinâmica comercial e a melhoria comercial, o que já está a acontecer, pois há uma reorientação para os segmentos tradicionais: as famílias, as PME, as empresas da economia social em nome individual. Esse era o ADN do banco Montepio em mercado. A gestão de risco é outro foco. E com menor custo de risco, há menos imparidades e mais margem financeira. E, por último, o banco tem de procurar ser mais eficiente.
Já disse que os accionistas da CEMG (banco Montepio), ou seja, os associados e os mutualistas, ao acorrerem (via AMMG) aos aumentos de capital cumpriam a sua obrigação. O que quis dizer?
Que a obrigação de qualquer accionista é dotar o seu negócio da estrutura de capitais adequados. E, no primeiro trimestre, houve um reforço do Core Tier 1 com dois factores subjacentes: o primeiro está relacionado com o aumento dos capitais próprios de 301,5 milhões de euros, que foram, obviamente, fundos disponibilizados e alocados pela AMMG, ou seja, pela accionista.
Outra parte dessa obrigação incumbe à gestão...
E essa é muito importante. Houve uma redução de cerca de 1500 milhões de euros nos activos ponderados pelo risco e essa é a função e a contribuição da gestão. No primeiro trimestre, os custos da CEMG até baixaram em cerca de 2,7% e nos próximos meses a tendência vai acentuar-se, com menos agências, menos colaboradores, serviços centrais mais eficientes.
Que activos não-estratégicos prevê alienar, para além do Montepio Crédito?
Esse processo [Montepio Crédito] está em curso. No grupo dos activos não-estratégicos há imobiliário do grupo e participações financeiras ou relacionadas com operações complementares às do banco. Ou activos que resultaram de processos de crédito. Alguns estão resolvidos, como é o caso do Montepio Seguros, onde tínhamos 30%, mas que pesava em termos de capital. E não fazia parte do core do banco, que o que tem de garantir é acesso a canais de distribuição de seguros.
Que outros activos estão ainda à venda?
Apenas imobiliário.
Qual é o valor da carteira imobiliária e o peso no balanço?
O balanço é de 21 mil milhões e a carteira imobiliária é de cerca de 800 milhões. É muito dinheiro, mas não tem peso significativo. No primeiro trimestre já vendemos cerca de 60 milhões de activos imobiliários, mas em termos de decisão é mais 90% do que no ano passado.
Se o banco for ao crivo do BdP não terá de fazer novos reforços de provisões e reconhecimento de imparidades?
Não terá. O accionista AMMG teve capacidade para responder às necessidades de reforço de capital do banco que, em 2015, 2014 e 2013, fez um reforço grande em termos de provisões e de reconhecimento de imparidades. E, neste momento, o banco não tem activos problemáticos, os que existem estão reflectidos nas contas. Agora têm de ser geridos.
No último ano a instituição perdeu cerca de 500 milhões de depósitos...
A situação está estabilizada. Em 2015 perdeu alguns depósitos, mas sobretudo na área institucional e das empresas.
Depois de o ouvir fica-se com a ideia de que nunca existiram, nem existem problemas...
Não foi o que eu disse. As medidas e o plano estratégico gizado para a CEMMG introduzem alterações significativas na gestão. E se foram introduzidas foi por serem necessárias mudanças. Desde logo, nos segmentos de negócio, com o foco a deixar de ser as grandes operações e as grandes empresas. E a passar a ser as famílias, as PME e os empresários em nome individual. Esta mudança determina uma alteração em termos de exposição ao risco. Mas há outra grande mudança: redimensionar a rede, um processo por concluir. Temos de trazer o rácio cost income para os níveis de 50 a 55%. E isto implica uma grande alteração em termos de gestão e de cultura, pois durante muitos anos o banco manteve a sua rede como opção de preservar o maior número de postos de trabalho. Mas o banco tem de se ajustar às condições de mercado. E se não era o que estava a ser feito, foi porque a estratégia era outra, com os resultados conhecidos.
A perspectiva é que no final do plano de reorganização o banco Montepio fique com 330 balcões. Ou seja: os mesmos que tinha em 2010, antes da compra milionária do Finibanco por 340 milhões. Valeu a pena?
Não me parece que essa análise seja relevante, nem a comparação é rigorosa. O mercado evoluiu e a procura no sector financeiro caiu. E ninguém antecipava a dimensão da mudança. A compra do Finibanco, do ponto de vista estratégico, está justificada. A carteira do Montepio estava muito concentrada no sector imobiliário e era preciso diversificar para o segmento das empresas. Foi o que aconteceu. E até foi um factor que, na crise, nos tem protegido, pois, caso contrário, o Montepio estaria ainda muito concentrado no imobiliário. E teria sido pior.
Na sua perspectiva, os problemas no banco Montepio são fruto do não ajustamento às condições de mercado? Não tiveram nada a ver com erros de gestão, irregularidades?
Não há um administrador do mandato anterior [liderado por Tomás Correia] com uma penalização ou condenação. Não há um. Mas eu apenas sou responsável pelo que se passa no banco desde Agosto de 2015.
Como bem sabe, há processos a correr…
Não sei, não.
O Banco de Portugal (BdP) remeteu para o Ministério Público...
Não sei, não sou do Ministério Público… O que houve foi uma operação que tinha a ver com clientes e que não foi comunicada ao BdP e deveria ter sido. Não tenho qualquer apontamento sobre o tema...
As recomendações que o BdP fez no contexto da auditoria forense ao Montepio, que decorreu entre 2013 e 2014, já foram cumpridas?
A auditoria é anterior a mim e dela resultaram um conjunto de recomendações que, quando cheguei, estavam quase todas implementadas. Neste momento há apenas uma em fase de implementação, o que significa que a situação está ultrapassada.
Que situação é essa?
É matéria restrita.
Quem o convidou para presidir ao banco?
O dr. Tomás Correia.
Não foi uma imposição do BdP?
Não.
Qual é a estratégia da AMMG para o banco?
Apenas posso falar da nossa, que é gerar valor para o accionista, a AMMG, para que possa prosseguir os seus fins no sector da economia real.
Como avalia a coabitação entre banco (CEMG Montepio) e accionista (AMMG) após a separação da governação?
Diria que é óptima, é normal e profissional. E de consideração mútua.
Pode garantir que existe uma autonomia real entre a gestão da associação e a do banco?
É real.
Como está a correr a actividade internacional?
Estamos a falar de operações em Angola e em Moçambique e que pesam 2% do total da nossa actividade. A operação em Moçambique é ainda mais pequena do que a de Angola. A quota de mercado do Finibanco Angola é de 1%, em 2015 teve resultados positivos e no primeiro trimestre também. Vamos manter a nossa exposição aos dois países com bastante prudência e com a atitude de esperar para ver como é que os quadros políticos e económicos se vão desenvolver.
A associação no moçambicano Banco Terra, entre o Montepio, que tem 45%, e o grupo holandês Rabobank, com outros 45%, está a correr bem?
Está. Em 2015 o Banco Terra já teve resultados positivos e no primeiro trimestre do ano manteve essa tendência e ficou em breakeven [ponto de equilíbrio]. Estamos bem posicionados. Não pensamos desistir de Angola e de Moçambique, onde mantemos a vocação de banca de retalho, mas não vamos aumentar a nossa exposição a nenhum dos dois.
Que comentários lhe merecem as informações que indicam que há conversas entre a AMMG e o Rabobank para a tomada de posição no banco Montepio?
Desconheço. Mas admito que a relação com o Rabobank é muito próxima. No final de 2015, o Rabobank alterou a sua estrutura, que era muito semelhante à que hoje existe no grupo Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo. Antes, as diversas instituições pertenciam a uma holding que detinha o banco holandês e, neste momento, são os accionistas (as “caixas”) que investem directamente no Rabobank. Tenho discutido muito com o Rabobank a estratégia para Moçambique e África e nunca para Portugal. E a possibilidade de abrir o capital do banco Montepio (CEMG) ao Rabobank não está em cima da mesa, mas essa solução depende da AMMG que é o nosso accionista. O que julgo que a AMMG defende é a entrada de outros accionistas, mas sempre da área da economia social e portugueses.
O BdP já sugeriu uma fusão da CEMG com a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo?
Até à data não tive qualquer conversa com o governador sobre o tema.
Numa entrevista defendeu que deveria haver algum grau de concentração bancária em Portugal...
Acho que pode haver espaço para alguma concentração financeira e que temos de estar abertos a que venha a ocorrer.
Para o banco Montepio esse não é um cenário?
Não é. A prioridade é concluir o processo de reestruturação para depois o banco estar apto a aproveitar as oportunidades que apareçam.
As autoridades deveriam aproveitar o Novo Banco para fazer uma reconfiguração do sistema?
Temos de ser imaginativos para tentar ir buscar soluções e aproveitar o Novo Banco para solidificar o sector e dar um maior protagonismo aos accionistas nacionais e para que haja algum movimento de concentração do sector.
A que soluções imaginativas se refere?
A nenhuma, pois não tenho os dados todos.
Passou pelo BCP, que vive um quadro de bolsa complicado. Activos do Novo Banco, limpos, ajudariam a reforçar o balanço do banco?
Não tenho todos os dados, quer os do lado BCP, quer os do lado do Novo Banco. Mas o BCP é um dos bancos com decisão nacional e poderia ser um protagonista do movimento de consolidação.