As férias do rei com a amante nada secreta e ainda menos discreta
Um álbum com 200 fotografias inéditas das polémicas férias do rei Eduardo VIII com Wallis Simpson no Adriático vai ser leiloado a 14 de Junho em Londres. Mostram o casal num cruzeiro, meses antes da crise que levaria a que o monarca trocasse o trono por esta americana que sonhava ser rainha.
Os rumores de que o príncipe Eduardo se tinha apaixonado por uma americana divorciada corriam há já muito tempo num meio restrito. As notícias da relação do futuro rei com Wallis Simpson circulavam através de recortes de jornais estrangeiros que documentavam a presença do casal aqui e ali. Para a esmagadora maioria dos britânicos, no entanto, a história que haveria de levar a que o rei abdicasse do trono era desconhecida. Isto porque, segundo o diário The Guardian, havia um acordo tácito entre os barões da imprensa britânica para que não se publicasse nada que pudesse vir a perturbar o rei Jorge V, pai de Eduardo, que estava já muito doente (morreu a 20 de Janeiro de 1936). Mas os jornais e revistas americanas, que não tinham quaisquer impedimentos nesse sentido, iam publicando sem cessar textos e fotografias. Nas ruas de Londres havia até quem os retirasse das bancas e mesmo a revista Time chegava a ser vendida só depois de arrancadas as páginas em que o casal aparecia.
Wallis, a socialite que era tida como uma das mulheres mais elegantes dos Estados Unidos, estava habituada aos holofotes, ia já no segundo casamento – e a caminho do segundo divórcio. Em Agosto de 1936, quando, apesar dos mais veementes protestos do Governo britânico, sobretudo do primeiro-ministro, o conservador Stanley Baldwin, Eduardo resolveu fazer um cruzeiro pelo Adriático com a norte-americana que não estava ainda formalmente separada do seu segundo marido, o escândalo rebentou, desencadeando a crise que haveria de levar a que o monarca ainda por coroar abdicasse em favor do seu irmão (Jorge VI, o pai de Isabel II).
É precisamente o registo fotográfico desse cruzeiro pelo mar Adriático a bordo do iate Nahlin que chega agora a leilão. Guardado durante 80 anos no cofre da casa de Herman e Katherine Rogers, amigos de Wallis Simpson desde a década de 1920, muito antes do começo da sua relação com Eduardo VIII, o álbum com 200 fotografias dessas férias em que o casal Rogers acompanhou o rei e a americana que se tornaria sua mulher em Junho do ano seguinte pode agora ser adquirido, juntamente com outros objectos pessoais que atestam uma ligação duradoura. A leiloeira Kerry Taylor leva-o à praça a 14 de Junho, num leilão que tem o título genérico de Passion for Fashion.
Amigos de sempre
A avaliar pelas memórias de Wallis, que os leiloeiros citam no texto em que antecipam a venda que deverá atingir as 60 mil libras (76 mil euros), segundo o jornal The Daily Telegraph, os Rogers estiveram sempre dispostos a apoiar a futura duquesa de Windsor, sobretudo em momentos difíceis como aquele em que, a 11 de Dezembro de 1936, via rádio, Eduardo VIII informa os seus súbditos de que desiste de ser rei. Num discurso breve jura fidelidade ao irmão e ao império britânico e explica por que razão abdica: “É-me impossível suportar o pesado ónus da responsabilidade e desempenhar as minhas funções como rei como desejaria sem a ajuda e o apoio da mulher que amo.”
Wallis ouve o discurso de David – era assim que lhe chamavam os mais próximos – na Villa Lou Viei, a casa dos Rogers em Cannes. Tinha chegado ao sul de França a 5 de Dezembro, depois de 55 horas de uma viagem de carro de mais de 1300 quilómetros em que fora perseguida por inúmeros jornalistas. O escândalo da sua relação com o rei rebentara no Reino Unido três dias antes e a americana tivera de procurar refúgio. A imprensa britânica passara rapidamente de ausente a persecutória.
“À medida que o momento se aproximava, toda a gente em Lou Viei, incluindo os empregados, se juntaram à volta do rádio na sala de estar. A voz de David ao microfone era calma, comovente. Eu estava deitada no sofá com as mãos sobre os olhos, tentando esconder as lágrimas. Assim que ele acabou, todos foram saindo em silêncio para me deixarem sozinha. Fiquei ali muito tempo até conseguir controlar-me o suficiente para atravessar a casa e subir para o meu quarto”, escreveu Wallis. Só se juntaria a Eduardo meses mais tarde, depois de o seu segundo divórcio ter sido oficializado. Voltariam a encontrar-se para se casarem, a 3 de Junho do ano seguinte, no Palácio de Candé, no vale do Loire.
Foi Herman Rogers quem levou Wallis ao altar, numa cerimónia a que terão assistido apenas 26 convidados, nenhum deles da família real, apesar dos pedidos do duque. A maioria dos aristocratas britânicos condenava-o por ter renunciado ao trono e às suas obrigações e considerava Wallis absolutamente frívola.
Em reconhecimento do papel dos Rogers, os duques de Windsor ofereceram a Herman e Katherine duas cigarreiras Cartier, em ouro, que vão agora também a leilão. A dele, com uma estimativa de venda entre os 25 e os 38 mil euros, tem incrustações em safira e um “W” e um “E” entrelaçados na tampa, encimados por uma coroa. Lá dentro está gravada, em letra manuscrita, a seguinte inscrição: “Jamais esqueceremos uma grande amizade. Edward e Wallis.” Por baixo podem ler-se duas datas – 5 de Dezembro de 1936, dia em que o duque abdicou, e 3 de Junho de 1937, o do casamento.
O álbum – que mostra o ainda rei de calções e em tronco nu ou Wallis de fato de banho e touca, com Herman e Katherine à beira-mar – e as cigarreiras são apenas três lotes de um conjunto de objectos que inclui ainda uma salva de prata do século XVIII ou páginas de livros de convidados com assinaturas do casal e de outras figuras do seu círculo de amigos.
O álbum de férias, explica ao Telegraph a leiloeira Kerry Taylor, não inclui apenas fotografias do cruzeiro no Adriático, mostra também os dois casais e outros amigos no Castelo de Balmoral, na Escócia, uma das propriedades da família real. “As fotografias são absolutamente notáveis”, diz Taylor. “Elas mostram claramente a relação e crescente proximidade entre Eduardo e Wallis, que ainda era casada na altura. São fotografias encantadoras de um casal feliz, despreocupado.”
Herman era um homem bonito, de porte atlético, filho do magnata americano Archibald Rogers, e usava boa parte da fortuna da família para viajar com a mulher pelo mundo, lê-se no site da leiloeira. Desde o fracasso do seu primeiro casamento – com Winfield Spencer, um piloto naval americano, alcoólico e nascido numa família de Baltimore com muito dinheiro – que Wallis procurava a protecção de ambos. Foi a neta do casal, depois da morte da avó, que descobriu o álbum e os outros artigos.
“É espantoso ver quaisquer fotografias reais privadas, mas encontrar 200 delas num só álbum que projectou o romance ilícito do rei que desistiu do seu império pela mulher que amava é simplesmente extraordinário.”
Semanas depois destas férias, Eduardo VIII fez saber que tencionava casar-se com Wallis Simpson. O Governo recebeu muito mal a notícia, já que a americana era considerada “moralmente inadequada” para rainha consorte. Os mais críticos diziam até que só estava interessada no dinheiro da coroa britânica. O facto de ser divorciada tornava as coisas ainda mais complicadas. Na qualidade de rei, Eduardo era também o chefe da Igreja Anglicana, que não permitia aos divorciados voltar a casar-se enquanto os seus ex-maridos ou ex-mulheres fossem vivos (só em 2002 esta proibição foi abolida). Por isso, Wallis estava longe, muito longe, de ser “elegível” como mulher do rei.
“Nestas fotografias Wallis pensava que ia ser a próxima rainha do Reino Unido, eles não sabiam o que estava para vir”, conclui Taylor. Sem trono e com o título de duques de Windsor, Wallis e Eduardo viveriam juntos até 1972, até à morte do rei-que-deixou-de-o-ser. Estiveram casados 35 anos.