À espera do fim de Almaraz
A mais antiga central nuclear activa de Espanha tem autorização para trabalhar até 2020. O seu historial de falhas e o excesso de capacidade eléctrica do país são argumentos dados para ela ser encerrada.
Em Outubro de 2015, o jornal espanhol El País publicava uma notícia desconcertante sobre a central nuclear de Almaraz, em Cáceres, a cerca de 100 quilómetros da fronteira portuguesa. O Conselho de Segurança Nuclear (CSN) pedia ao Governo espanhol para abrir um processo disciplinar à central depois de ter descoberto que uma empresa de bombeiros, contratada pela central, “falsificava as horas para simular que haviam realizado as rondas de segurança obrigatórias pelas instalações, embora não as tivessem feito”.
Ocorridas entre 20 de Dezembro de 2014 e 19 de Fevereiro de 2015, estas falsificações não puseram em causa a segurança da central, disse na altura a direcção de Almaraz. Mas com o acidente nuclear de Fukushima, em Março de 2011, no Japão, na memória, este tipo de negligência alimentou o desconforto em relação à central nuclear activa mais antiga de Espanha, detida pelas empresas Iberdrola, Endesa e Gas Natural Fenosa.
Almaraz, com os seus dois reactores, só começou a trabalhar a 100% em 1983, o que significa que já funciona há mais de 30 anos – o tempo de vida normal dado às centrais nucleares de segunda geração como a de Cáceres. Em 2010, o CSN (entidade que avalia as centrais nucleares, independente do Estado espanhol) deu permissão para a central continuar activa até 2020. O grande objectivo da manifestação deste sábado é que não haja um prolongamento de vida de Almaraz para lá de 2020 e que a central seja encerrada o quanto antes.
Um dos argumentos para o seu encerramento é que em termos energéticos Almaraz já não é necessária. Em final de 2015, a capacidade total de geração de energia eléctrica em Espanha era de 102.613 megawatts, de acordo com a Rede Eléctrica de Espanha. Isto representa o máximo de electricidade que toda a rede eléctrica pode providenciar num dado momento, se tudo estiver a funcionar a 100%. Esta capacidade está dividida entre os combustíveis fósseis, o nuclear e as energias verdes, como a hidráulica, a solar e a eólica.
A capacidade de geração de energia eléctrica a partir da energia nuclear era, em final de 2015, de 7866 megawatts, representando 7,7% do total. No mesmo ano, a electricidade proveniente do nuclear representou 21,7% de toda a electricidade usada. Ou seja, o seu uso foi relativamente superior tendo em conta a potencialidade das várias fontes de energia eléctrica.
No entanto, naquele ano, o pico máximo de potência eléctrica usada foi de 40.726 megawatts, a 4 de Fevereiro, menos de metade do que está teoricamente disponível, os tais 102.613 megawatts. Se olharmos para o passado, o recorde de necessidade eléctrica aconteceu a 17 de Dezembro de 2007, de 45.440 megawatts.
Almaraz é uma das cinco centrais nucleares a trabalhar em Espanha e os seus dois reactores têm um potencial eléctrico de 2093 megawatts, cerca de 2% de todo o potencial da rede eléctrica espanhola. Por isso, os defensores do encerramento da central defendem que Almaraz já não é necessária, tendo em conta o gasto efectivo de electricidade de Espanha.
“A partir dos 30 anos de funcionamento, quando se amortizam [os custos] das centrais nucleares, os proprietários destas pagam 1,5 cêntimos por quilowatt por hora produzidos, enquanto vendem-no a 5,5 cêntimos”, lê-se num documento de 2016 sobre Almaraz do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), umas das organizações que apoia a manifestação. “Isto supõe que Almaraz recebe cerca de 161 milhões de euros por ano de lucro líquido. O que explica a resistência de encerrar a central.”
Semanas após o acidente nuclear de Fukushima, um relatório da Greenpeace revelava que Almaraz tinha sido submetida a 4000 modificações desde a sua inauguração em 1981. A central tem reactores de água pressurizada. Por fissão nuclear, o urânio aquece água que por sua vez faz produzir vapor de água num circuito secundário. É neste circuito secundário que o vapor de água acciona turbinas que geram electricidade. Uma das modificações assinaladas pela Greenpeace foi a substituição dos geradores de vapor, devido à corrosão dos tubos.
Apesar de todos os anos a central ter falhas, e por vezes ser obrigada a parar, a maioria não ultrapassa o nível zero na Escala Internacional de Acidentes Nucleares – que vai até sete, o nível mais alto, de acidente grave, somente atribuído aos desastres de Fukushima e de Tchernobil, em 1986, na Ucrânia, então pertencente à União Soviética.
Ainda assim, o El País noticiou em Fevereiro deste ano que inspectores do CSN consideravam que não havia “garantias suficientes” de que as bombas de água do sistema de refrigeração dos reactores pudessem trabalhar com normalidade. Mas a direcção técnica do CSN veio imediatamente contradizer os seus inspectores, alegando que foram dadas garantias de que o sistema estava a funcionar com “segurança razoável”, citava o jornal.
“A central tem tido uma história com muitos incidentes que mostra a inexistência de uma cultura de segurança”, lê-se no documento do MIA, que refere ainda haver a possibilidade de se construir um novo depósito provisório para guardar os resíduos radioactivos. Algo, defende o movimento, “que só pode entender-se como uma intenção para prolongar a vida da central além daquilo que é sensato”.