Só Assis quebrou o unanimismo socialista
A história do partido, de Alegre a Ferro, foi à FIL saudar a solução de Governo de esquerda. A festa de Costa que até contou com um convidado especial: António Guterres.
Chegou e disse: “Sei bem que esta minha posição me condena no presente a um elevado grau de isolamento no seio do partido.” Mesmo assim, mesmo sendo o único crítico assumido da solução de Governo assente em entendimentos com o BE, o PCP e o PEV que subiu ontem ao palco do XXI Congresso do PS, o eurodeputado Francisco Assis não deixou uma palavra por dizer, de todas as que o levaram à Feira Internacional de Lisboa.
Sendo vítima de alguns assobios no início da sua intervenção, Assis acabou aplaudido pelo próprio António Costa, num gesto que funcionou como uma espécie de legenda à forma como o ex-líder da bancada do PS terminou a sua intervenção: “Vinha com a esperança legítima de ser ouvido e fui-o, com atenção e com respeito, como é próprio do PS, onde nunca uma divergência se transformou em dissidência e onde a liberdade nunca se deixou subjugar por qualquer forma de dogmatismo.”
Perante o partido, Assis repetiu o que pensa: a “aliança” com o BE e o PCP é “contranatura” e o Governo está “em situação de liberdade muito condicionada, permanentemente vigiado por quem pensa e age de forma radicalmente diferente”. Como era expectável, num congresso de consagração de um líder que é primeiro-ministro, mais nenhuma figura de primeira linha se assumiu contra o discurso oficial. E se houve quem, como o ex-deputado Ricardo Gonçalves, lançasse um alerta sobre a realidade económica – “ou pomos o país a crescer ou não temos futuro.” –, a verdade é que o ambiente era de sagração do líder há seis meses ungido primeiro-ministro, António Costa.
E para isso até a legitimidade da história compareceu na FIL. A começar pela presença de António Guterres, 16 anos depois do seu último congresso no vizinho Pavilhão Atlântico, aquando da derradeira reeleição como secretário-geral. Com a subida de Guterres ao palco, o conclave socialista voltou a ouvir o tema “1492”, de Vangelis, e ver o agora candidato a secretário-geral da ONU a saudar o actual primeiro-ministro “neste momento difícil e decisivo para o país e o PS”.
Antes de Guterres, Eduardo Ferro Rodrigues iniciou a legitimação histórica, fazendo, por seu lado, uma inovação: discursar num congresso, sendo presidente da Assembleia da República. Aliás, nessa qualidade, evocou os seus antecessores socialistas: Henrique de Barros, Vasco da Gama Fernandes, Teófilo Carvalho dos Santos, Manuel Tito de Morais e António Almeida Santos.
Depois, Ferro elogiou a capacidade do PS de Costa de resistir à pressão da direita neoliberal e à “descredibilização ética”, ao ter negociado entendimentos com o BE, o PCP e o PEV para formar um “Governo alternativo” e de ser a excepção aos partidos socialistas que têm cedido à pressão do neoliberalismo. E alertando para que o neoliberalismo tem a “tentação gulosa sobre o Estado Social”, Ferro defendeu: “O Estado Social tem de ser a nossa linha vermelha”. Ferro Rodrigues fez também a defesa de que os socialistas têm de “conseguir consolidar” os próprios “instrumentos de formação política” como o neoliberalismo fez. Ou seja, procurar ganhar presença nos espaços de comunicação e de formação de opinião.
A crítica à orientação neoliberal da União Europeia esteve presente logo de manhã no congresso através de um militante do PSD: Pacheco Pereira, o convidado, para o debate sobre “Socialismo democrático: Que futuro?”, que contou também com a ex-deputada do BE Ana Drago e o eurodeputado do PS Pedro Silva Pereira. Pacheco arrasou as actuais orientações da Comissão Europeia e afirmou mesmo que a União Europeia (UE) tem um “problema de democracia” e uma tentação de “criminalização das políticas alternativas”. Um discurso crítico da UE a que se juntaram, da parte da tarde no congresso, os eurodeputados socialistas Ana Gomes e Carlos Zorinho. Este último, disse mesmo: “Não há uma Bruxelas, mas há muitas, e nós estamos do lado certo da história.”
A legitimação histórica do executivo de Costa recebeu ainda o contributo de Manuel Alegre. Respondendo por antecipação a Assis, ao afirmar que o Governo do PS “não está manietado”, Alegre fez questão de negar também que haja uma radicalização do partido e garantiu: “Quem radicalizou a vida portuguesa foi a coligação de direita” que “fez um PREC ao contrário”. E frisando que o PS é um partido reformista, citou mesmo Olof Palme para afirmar que “o difícil é fazer as reformas democráticas, as reformas da esquerda”. Aliás, a importância de recuperar a palavra reforma para o léxico da esquerda foi também destacada por Pedro Nuno Santos.
O antigo candidato presidencial teve ainda a preocupação de sustentar que a decisão de António Costa de romper com o arco da governação “é a libertação da democracia” e “a libertação de sectarismos e preconceitos”, no que significa “uma grande mudança cultural no nosso país”. Alegre considerou também que, devido ao Governo do PS, “há um despertar da esperança e essa é a maior vitória”.
Algumas figuras que têm estado mais distantes da actual direcção, como Paulo Campos, fizeram questão de discursar, sublinhando que “esta batalha era mais fácil” se o PS tivesse “ganho as eleições”. O ex-secretário de Estado classificou os actuais PSD e CDS como “a direita mais radical desde o 25 de Abril”, a “verdadeira direita Trump”.
Paulo Campos fez questão de saudar os ex-lideres, referindo o nome de José Sócrates e obtendo uma salva de palmas, a segunda deste congresso para Sócrates, já que de manhã Daniel Adrião tinha tratado de fazer a mesma referência.