Topo da hierarquia republicana cede finalmente a Trump
Paul Ryan, o líder da Câmara dos Representantes é o último grande nome a apoiar a candidatura do magnata à Casa Branca. É ele quem vai presidir à convenção que vai oficializar a candidatura.
Ninguém no topo da hierarquia do Partido Republicano resistiu durante mais tempo e tão publicamente à ideia de apoiar a candidatura de Donald Trump à Casa Branca como Paul Ryan, o líder da Câmara dos Representantes e o homem que detém o cargo público mais importante no partido. À medida que outros grandes republicanos cediam à evidência de que o magnata do imobiliário seria o candidato do partido nas eleições de Novembro e declaravam o seu apoio, Ryan foi à televisão dizer que "ainda não estava pronto" para o fazer. Isso mudou na quinta-feira.
Depois de algumas semanas de relutância e de um encontro mediático que pareceu não dar em nada, Paul Ryan anunciou num artigo de opinião que votaria em Donald Trump. Mas a relutância não desapareceu. "Não é segredo nenhum que ele e eu temos divergências", escreveu Ryan, próximo de algumas das vozes que mais se opõem à candidatura do magnata nova-iorquino, como Mitt Romney, com quem concorreu à Casa Branca em 2012. "Não vou fingir o contrário. E quando sentir essa necessidade, continuarei a dar a minha opinião. Mas a realidade é que, naquilo que define a nossa agenda política, temos mais em comum do que desacordos."
Ryan oferece um argumento pragmático. Segundo ele, no que toca a temas centrais como a anulação do serviço de saúde de Obama, a reforma do sistema tributário e a preferência por um Governo conservador de intervenção limitada, por exemplo, estão ambos do mesmo lado e isso basta para ignorar o resto das divergências para que, juntos, “salvem o país”. Apercebeu-se disso recentemente — na última semana dizia não se ter ainda decidido — através de várias conversas ao telefone com Trump. “Estou confiante de que ele nos ajudará a transformar as ideias desta agenda em leis para melhorarmos as vidas das pessoas. É por isso que votarei nele este Outono.”
Poucos estão dispostos a acreditar que Ryan, que, como Romney, representa a linha mais tradicional do conservadorismo americano, estivesse realmente disposto a continuar afastado do candidato presidencial do seu partido durante muito mais tempo. É o próprio Ryan quem vai presidir à convenção que vai oficializar Trump como o vencedor das primárias e o candidato republicano. E uma fractura exposta entre os dois — e, por inerência, entre o establishment republicano e o homem do partido na corrida presidencial — seria prejudicial para ambos e benéfico para aquela que é a provável candidata democrata, Hillary Clinton.
Paul Ryan quis mostrar que ele e o seu partido têm algum distanciamento crítico em relação a um candidato que fez campanha contra os políticos de Washington — entre eles, o próprio líder da Câmara dos Representantes. Tentou fazê-lo outra vez esta sexta-feira, ao antecipar um pacote de propostas, que, na sua maioria, Trump partilhará. “Isto é ilusório”, argumenta o Washington Post, resumindo a crítica consensual à declaração de apoio de Ryan: é o magnata quem neste momento tem mais poder e será ele a moldar as decisões e agenda do Partido Republicano. Não o contrário.
Lê-se no editorial do Post desta sexta-feira: “A julgar pelas mudanças bruscas nas suas opiniões ao longo dos anos, Trump não acredita muito em nada. As suas convicções — contra o comércio livre e a liderança dos Estados Unidos no estrangeiro, a favor de uma divisão nacional em matérias de religião e etnia — são a antítese dos princípios que Ryan diz que o guiam. Tendo conseguido a nomeação sem a sua ajuda, um Presidente Trump certamente não se sentirá amarrado por quaisquer garantias que Ryan possa acreditar ter ouvido da boca do candidato.”
O New York Times diz mais: que Ryan, ao apoiar Trump, perde "a sua credibilidade como alternativa". O líder da Câmara dos Representantes é, aliás, o último grande nome da hierarquia partidária a apoiar o magnata. Já o fizeram o presidente do Comité Nacional Republicano, Reince Priebus, e o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, que na quinta-feira revelou também algumas hesitações em relação a Trump — preocupa-se com a possibilidade de o seu partido perder o voto latino no futuro, uma fatia demográfica em grande crescimento que o magnata tem afastado com comentários xenófobos e a promessa de construir um muro da fronteira com o México.
A força do sentimento anti-Trump na comunidade latina revelou-se uma vez mais na quinta-feira, em novos confrontos entre manifestantes que se opõem ao magnata e seus apoiantes, na Califórnia. Centenas de pessoas acenaram com bandeiras do México, perseguiram e agrediram apoiantes de Donald Trump em San José, onde o magnata discursava num comício a poucas centenas de quilómetros da fronteira. Pelo menos uma pessoa ficou ferida e uma outra foi detida pela polícia, que dispersou a manifestação. "Precisamos de socialismo", gritaram alguns manifestantes. "Um voto em Trump é um voto pelo fascismo."