ArcoLisboa mobilizou novamente as pessoas para a arte contemporânea, dizem galeristas
Houve poucos compradores institucionais, mas algumas galerias portuguesas ficaram perto da euforia com as vendas a privados. Os números oficiais serão anunciados mais tarde.
Ainda é muito cedo para contabilizar oficialmente as vendas da ArcoLisboa – os números serão anunciados mais tarde –, mas foram os coleccionadores privados os grandes compradores da primeira feira de arte contemporânea com a marca Arco organizada em Lisboa, que terminou no domingo na Cordoaria Nacional. Compradores estrangeiros e portugueses deixaram alguns galeristas, sobretudo portugueses, perto da euforia.
Num primeiro balanço, já feita alguma contabilização pós-feira, sentiu-se a falta de mais compradores institucionais, à excepção da Câmara Municipal de Lisboa, que anunciou a compra de obras a sete artistas e a criação de um fundo especial dedicado à arte contemporânea e que será utilizado para aquisições na ArcoLisboa.
A feira, que juntou 45 galerias portuguesas e estrangeiras durante quatro dias, teve uma organização da Ifema, a mesma da feira congénere de Madrid, e é a primeira tentativa de internacionalização do evento espanhol. Com um orçamento de um milhão de euros, contou com o apoio do Ministério da Cultura, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal e levou à Cordoaria 13 mil pessoas, depois de nos últimos anos se ter sucessivamente falhado a organização de um evento semelhante em Portugal.
“Correu superbem”, diz Nuno Centeno, da Galeria Múrias Centeno, acrescentando que na sua dupla qualidade de galerista e membro do comité organizador viu “todas as expectativas serem superadas”. O que recebeu foi “um feedback de euforia e satisfação”. Entre os 12.800 visitantes, houve um público especializado, estrangeiro e nacional, e também pessoas que não são do meio mas que foram por curiosidade, porque a ArcoLisboa fez regressar “um certo glamour ligado à arte contemporânea”.
De um modo geral, os galeristas estão satisfeitos com este modelo de feira boutique. “Todos os artistas que levámos vendemos. É um bom momento, porque temos bons artistas e um público interessado, curioso o suficiente para aprender a complexidade da arte e do mercado.” A galeria vendeu obras de Mauro Cerqueira, Daniel Steegmann Mangrané, Ana Cardoso, Carla Filipe, Secundino Hernández e Max Ruf.
Foram os coleccionadores privados os grandes compradores da feira, afirma Nuno Centeno, que está representado em Lisboa e no Porto. “As compras ocorreram entre artistas nacionais de média carreira e até entre os mais conhecidos, mas também entre nomes habituais do circuito internacional.” Para o ano, as compras institucionais “serão um assunto a tratar com mais responsabilidade”. “Era muito importante que todas as instituições comprassem.”
De um modo geral, os coleccionadores estrangeiros que compraram, diz Nuno Centeno, fizeram-no em todas as galerias. “Naturalmente que correu melhor para as galerias nacionais, mas ainda assim para as internacionais foi muito positivo.” No seu caso, ainda há negócios que estão a ser fechados: “Às vezes o pós-feira dá um retorno de quatro, cinco, seis meses.” As vendas, para o galerista, são uma consequência do trabalho que têm feito internacionalmente, “com a participação nas mais importantes feiras de arte do mundo”.
Vera Cortês, uma das galerias que levou artistas portugueses mais novos à feira, também é superlativa: “A feira correu superbem. A primeira edição tem um resultado para lá de positivo. Fizemos novos contactos, novos coleccionadores. Havia mais coleccionadores do que estava à espera.” Como é costume, não avança números exactos, mas diz que vendeu “muito bem”: “Vendemos todos os dias e muito acima do esperado.”
No balanço que faz da primeira edição, Vera Cortês afirma que a Ifema, que organiza a ArcoMadrid, conseguiu “fazer tudo” o que era suposto e, igualmente importante, toda a gente envolvida quis que a feira resultasse. Além dos coleccionadores estrangeiros, houve instituições a comprar que não tinham essa tradição, como a Câmara de Lisboa, e grandes coleccionadores que fizeram questão de comprar na feira. “Não temos memória de uma feira que se tenha aproximado desta.”
Para já, a galerista Cristina Guerra, que também faz parte do comité de selecção, vendeu 50% do stand, número que pode subir para 70% se o pós-feira correr tão bem quanto a feira. Entre os institucionais, teve compras da Câmara Municipal de Lisboa (Rui Toscano) e da Fundação de Serralves (Yonamine).
“Os coleccionadores e alguns compradores que estavam afastados das galerias acabaram por ir e fazer compras. Foi muito estimulante, porque se conseguiu novamente mobilizar as pessoas para a arte contemporânea.” Cristina Guerra destaca o programa paralelo de visita às galerias, que “também correu bem”. “Os coleccionadores estrangeiros que não conheciam a cena portuguesa ficaram admirados com o que encontraram.” A galerista Ursula Krinzinguer, de Viena, que veio este ano como convidada, já prometeu vir na próxima edição, por exemplo.
Para o próximo ano, haverá acertos, como é normal, uma vez que o anúncio da primeira edição apenas foi feito em Novembro. “A maior parte dos museus e galerias têm de se preparar. E deve haver uma garantia de mais compras institucionais, como da Gulbenkian ou da Caixa Geral de Depósitos.”
CML investiu 60 mil euros
A CGD, que tem a colecção parada desde 2008, não é provável que volte às compras tão cedo, devido aos prejuízos do banco do Estado nos últimos anos. Já a Gulbenkian não fez compras nesta edição, ao contrário do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, da EDP, que adquiriu uma obra de Joana Escoval. Sobre o próximo ano a Gulbenkian não esclarece, directamente, se a sua estratégia se vai alterar, mas apenas que “a fundação vai continuar a adquirir obras para a colecção moderna e continuará também atenta ao mercado”, explica Leonor Vaz, do gabinete de imprensa da instituição. Junto da Fundação Serralves não foi possível confirmar se houve outras compras, nem se está pensada uma estratégia de aquisições na feira.
O Ministério da Cultura (MC) não fez aquisições até ao momento, informou a assessora de imprensa, Teresa Bizarro, nomeadamente para o Museu de Arte Contemporânea do Chiado. “O MC e a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) reconhecem a extraordinária importância cultural da feira de arte contemporânea para a dinâmica do meio artístico português”, mas “a contenção orçamental aconselha a definição escrupulosa de um nível de prioridades”. Apesar da importância do evento, não pretendem MC e DGPC “privilegiar um momento, por mais decisivo que possa ser”, antes “desenvolver uma análise de conjunto sobre as oportunidades oferecidas pelo mercado galerístico ou leiloeiro”.
Na inauguração da feira, a Câmara Municipal de Lisboa (CML), tal como o MC um dos parceiros da feira, anunciou a criação de um fundo para comprar obras de arte no valor de 200 mil euros, durante um período de três anos. Segundo Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura, foram gastos mais de 60 mil euros na primeira edição da ArcoLisboa, devendo as obras adquiridas ficar em depósito no Museu da Cidade e disponíveis para exposições da CML.
Este ano, conforme o comunicado da EGEAC, que gere os equipamentos culturais da câmara, foram compradas obras de Armanda Duarte, Manuela Marques (Galeria Caroline Pagés), Carlos Nogueira (Galeria 3+1), Eduardo Batarda (Pedro Oliveira), João Jacinto (Fernando Santos), Vasco Araújo (Horrach Moya) e ainda a de Toscano, já mencionada, na Cristina Guerra. O fundo, no entanto, lembra Vaz Pinto, não é exclusivo da ArcoLisboa.
O balanço é “muitíssimo positivo”, diz a vereadora, segundo as opiniões da organização Arco, dos galeristas e dos próprios artistas, criando-se “um momento muito importante de internacionalização da arte contemporânea”. “Correu bem em todas as frentes, assistindo-se a uma reanimação do mercado da arte, onde havia algum cepticismo. As pessoas estão contentes com o resultado da primeira edição.”
2017, ponte com as Américas?
Sobre a próxima edição, que já está marcada para a segunda quinzena de Maio, ainda é “prematuro” falar de que forma será feita a ligação à Capital Ibero-Americana da Cultura, de que Lisboa será anfitriã em 2017.
O programador cultural António Pinto Ribeiro, que vai coordenar a programação da Capital Ibero-Americana, lembra que para o ano a ArcoMadrid terá como país convidado a Argentina, modelo que não é o de Lisboa, que optou por fazer uma feira mais pequena em que as galerias destacam um artista. “Seria estrategicamente inteligente que os galeristas portugueses fizessem a ponte com os artistas das Américas. E, simultaneamente, apresentassem aos possíveis coleccionadores das Américas os artistas a viver e a trabalharem em Portugal, também na expectativa de que haja galerias do Sul, do centro e do Norte da América e de África que venham à feira.”
Como balanço, é preciso saber das vendas, porque “uma feira de arte avalia-se essencialmente pelos seus resultados comerciais”. Quanto aos aspectos organizacionais, a ArcoLisboa pareceu-lhe “muito profissional”: “Teve a mundanidade necessária e a continuar, como parece que vai acontecer, só tem de encontrar a sua singularidade. Algo que a diferencie minimamente de outras feiras para não passar a ser apenas a boutique da Arco. A única singularidade possível para a feira de Lisboa é ela ser a plataforma europeia de entrada das artes de África e das Américas.”
A galeria brasileira Luísa Strina acredita que vai voltar em 2017, “porque a feira tem oportunidades a serem exploradas”, diz uma das suas directoras, Ana Quiroga, que esteve em Lisboa. Com o stand dedicado ao artista colombiano Nicolás Paris, venderam 40% do que tinham exposto: “A gente achou a feira superbem organizada. Superou as expectativas nos contactos com coleccionadores novos e retomámos contactos com clientes espanhóis que vão regularmente à ArcoMadrid.”
Já uma das veteranas das galerias espanholas, a Leandro Navarro, que tinha como artista destacado o histórico Joaquín Torres García (Uruguai), entre pequenos Picassos e Mirós, faz depender o regresso do que acontecer agora no pós-feira. “Foi muito interessante. Fizemos contactos com coleccionadores internacionais do Reino Unido, Bélgica, França e Portugal. A atmosfera era muito boa e as pessoas relacionaram-se bem com este tipo de feira”, diz o director Iñigo Navarro. “Não foi bom para vendas, mas foi bom para contactos. É normal, porque foi a primeira edição e as pessoas querem conhecer-nos melhor.”