Polícia do Rio prende dois suspeitos de violação colectiva de adolescente
Numa entrevista, a vítima foi questionada sobre o que desejava que acontecesse aos homens que a violaram. “O que eu desejo? Sinceramente, uma filha mulher”, respondeu.
Dois suspeitos de terem participado na violação colectiva de uma adolescente de 16 anos numa favela do Rio de Janeiro foram detidos na segunda-feira à tarde. A Polícia Civil do Rio de Janeiro emitiu mandados de prisão para quatro outros suspeitos de envolvimento no crime que chocou o Brasil nos últimos dias. Um deles é apontado como chefe do tráfico de droga no Morro da Barão, favela da zona oeste da cidade onde a menor afirma ter sido alvo de abuso sexual por 33 homens há mais de uma semana.
Na segunda-feira de manhã, a polícia realizou uma operação de busca em várias favelas da zona oeste do Rio procurando suspeitos. Um deles, Raí de Souza, de 22 anos, apresentou-se voluntariamente na Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima, mas nega ter tido qualquer participação no crime. “Ele entregou-se para provar que não tem nenhuma culpa”, disse o seu advogado à imprensa. Na semana passada, em declarações à polícia, Raí de Souza admitiu ter divulgado um vídeo da adolescente nua e aparentemente inconsciente no Twitter. Numa entrevista ao jornal O Globo antes de se entregar, ele afirmou que teve relações sexuais com a jovem com o consentimento dela e que quando deixou o local ela preferiu ficar. O local é conhecido como “abatedouro”, uma casa para onde são levadas meninas para relações sexuais.
O outro suspeito detido esta segunda-feira é Lucas Perdomo Duarte, de 20 anos, que tinha uma relação com a adolescente. Jogador de futebol num clube da cidade, foi detido num restaurante do centro do Rio. O seu advogado declarou que ele não teve qualquer participação no crime ou na divulgação do vídeo que circulou na Internet na semana passada e chamou a atenção de activistas e feministas que denunciaram o crime às autoridades. No vídeo, que entretanto foi bloqueado, um homem diz que a adolescente “engravidou de mais de 30”. Outro homem abre as pernas da adolescente e diz, entre risos: “Olha onde o trem bala [comboio de alta velocidade] passou.”
Delegado afastado do caso
O caso gerou uma onda de indignação e solidariedade para com a alegada vítima, mas também muitos comentários que condenaram a adolescente, responsabilizando-a pelo ocorrido. Este fim-de-semana, o delegado que comandava a investigação, Alessandro Thiers, foi afastado a pedido da advogada da adolescente, Eloísa Samy Santiago, que o acusou de tratar o caso com machismo e misoginia. Numa entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, a adolescente afirmou que tinha sido sido tratada pelo delegado “como se tivesse culpa de ter sido violada”. Alessandro Thiers foi substituído no domingo por Cristiana Bento, responsável pela Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima. Ao contrário de Thiers, que afirmava não ter elementos suficientes para concluir que houve crime, a nova delegada à frente do caso considera que o vídeo publicado nas redes sociais contém indícios suficientes de que a violação ocorreu. “A minha convicção é que houve estupro”, disse esta segunda-feira aos jornalistas. “Estupro” é o termo brasileiro para violação sexual. “Quero provar a extensão desse estupro. Se foram cinco, dez ou 30. Queremos verificar quantas pessoas praticaram esse crime. Mas houve o crime”, disse Cristiana Bento, que foi quem pediu a prisão preventiva dos seis suspeitos.
O exame médico da adolescente não revelou vestígios de sémen dos alegados violadores nem indícios de lesões que poderiam comprovar o uso de força durante o acto sexual. Mas as autoridades sublinham que isso não quer dizer que não houve violação. A jovem só foi examinada cinco dias após o crime, quando a advogada Eloísa Samy Santiago se voluntariou para a ajudar e acompanhar o seu caso. "O prazo de cinco dias dificulta muita coisa. Quanto mais próximo da violência for o exame, mais fácil é a gente detectar qualquer vestígio. Os vestígios perderam-se em razão dos vários dias que se passaram. Mas a polícia não pode afirmar que não houve lesão só porque o exame não constatou”, disse aos jornalistas Adriane Rego, directora do Instituto Médico-Legal (IML), órgão responsável por exames em casos de abuso sexual.
A delegada Cristiana Bento também relativizou o facto de a adolescente não ter apresentado queixa à polícia imediatamente. Ela fez notar que é comum traficantes de droga cometerem violações sexuais que normalmente não são denunciadas pelas vítimas por medo de represálias. A menor só prestou declarações à polícia por recomendação da advogada depois de o vídeo ter começado a circular na Internet. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciou esta segunda-feira à noite que a jovem vai entrar num programa de protecção de testemunhas, o que deverá envolver mudança de identidade e a sua transferência para outra morada. O ministro afirmou que, diante da repercussão do caso, o Governo pretende apresentar ao Congresso uma proposta legislativa que impeça o alívio da pena – por bom comportamento – para pessoas condenadas por violação. Um grupo de senadoras pretende nos próximos dias propor um projecto de lei para endurecer as penas. O Código Penal estabelece a pena de seis a dez anos de prisão para crimes de violação. Em casos de violação colectiva, a pena máxima é de 12 anos e meio. Se o projecto for aprovado, a pena máxima chegará a 16 anos.
Na entrevista que deu ao programa Fantástico no domingo à noite, a adolescente foi questionada sobre o que desejava que acontecesse aos homens que a violaram. “O que eu desejo? Sinceramente, uma filha mulher”, respondeu.