Nunca gostei de ver crianças em manifestações de protesto, conforme tenho visto nos últimos dias, até com honras televisivas. Costumo associar essas imagens a países onde o respeito pelos Direitos Humanos é torpedeado por ditadores e déspotas de vária índole. É, no mínimo, irresponsável transformar as crianças numa espécie de escudo ou serviçais de manifestos panfletários em assuntos de adultos.
Que é como quem diz, incomoda-me bastante ver gestores e responsáveis pelos colégios privados, ou meros pais, a colocaram as crianças em manifestações de protesto pela manutenção das benesses sem sentido e irregulares — em alguns casos — de que a educação particular dispôs ao abrigo dos contratos de associação completamente desregulados nos últimos anos, e que nos custaram a todos muitos milhões de euros.
E tenho visto dezenas de crianças em modo de festa durante os protestos dos pais e encarregados de educação. Mas as próprias não sabem nem fazem ideia de que estão a ser usadas em função de uma falácia, como se alguém estivesse a impedir aquelas crianças de estudarem ou a impedir os seus pais de escolherem o tipo de ensino que lhes podem proporcionar.
Bem, eles que escolham à vontadinha, mas não tenho que ser eu pagar, ok? Nem eu nem o resto dos contribuintes devemos investir na educação exclusiva dos filhos dos outros quando já o fazemos para todos, através da escola pública, e sem elitismos de diversa ordem.
A verdade é que a situação dos contratos de associação, nos últimos anos, gerou negócios subsidiados pelos nossos impostos, pelo erário público e pelo esforço das famílias que não têm condições de escolher essa tal educação mais exclusiva.
Assim vai a coisa, há já tempo excessivo, ao nível dos chamados colégios particulares ou privados, que devem ser mantidos apenas pelos encarregados pela educação das crianças que os frequentam, os tais que as querem — às crianças — mais exclusivas do que as restantes. Nada me move contra a iniciativa privada. Pelo contrário, sou completamente a favor e é graças à mesma que o mundo, as democracias e a própria sociedade evoluíram. Mas sou a favor quando o Estado (o sentido público de toda uma sociedade) não a deixa de regular, ou quando os seus representantes, os do Estado, não se rendem ao laxismo próprio de quem não tem soluções públicas. Neste último caso, acho que essas pessoas deviam ficar em casa em vez de se submeterem a votos para depois nos venderem os anéis.
A verdade é que andámos sempre apostar na governação do bem comum por uma quantidade de pessoas que não acredita na essência do serviço público, embora não abdique dos salários e benesses que o mesmo proporciona.
Tanto assim é que, mascarando a subsidiação direta dos colégios privados através de uma regulamentação — o famoso contrato de associação — que pretendia colmatar a ausência de opção escolar pública em determinados territórios, foram gastos muitos milhões de euros dos nossos impostos para custear a maior parte das aulas exclusivas e privadas de muita gente que não precisava do apoio público para ter crianças a estudar.
Todos nós pagávamos para alguns terem filhos pretensamente melhor formados do que outros. Mas há pior: a utilização indevida desse dinheiro público por colégios privados dá lucro e paga bons salários aos gestores e proprietários dos mesmos colégios. E estamos a falar de pessoas que são contra os “gastos públicos” (no seu léxico).
São verbas oriundas dos nossos impostos que rondavam os cerca de 150 milhões de euros anuais, segundo dados na imprensa. Atente-se: 150 milhões de todos — nem que fossem 15! — para pagar exclusividades alheias, quando a aposta do Estado deve ser na escola pública. O problema é que se andaram a fechar escolas públicas e agora percebe-se porquê.
Já para não falar na obrigação que os governos têm quanto aos condicionamentos e benefícios territoriais, nomeadamente nas zonas mais desfavorecidas. Sim, é para isso que pago impostos há 30 anos.
Sou, em absoluto, a favor das opções de educação fora do serviço público, nomeadamente oferecidas por confissões religiosas ou filosóficas, por entidades certificadas das áreas socioprofissionais ou meramente familiares, ou até por programação curricular mais ou menos exigente, desde que promovam os bens comuns de cidadania e o respeito pela comunidade onde estão inseridas.
Sou a favor, sim, desde que não sejam negócios mantidos com os meus impostos e desde que seja uma opção integralmente paga por quem dela usufrui.