Parece que agora a Mariza tem de usar o cabelo de cor preta. Mesmo se a sua cor natural de cabelo não é o preto. Quem o diz é uma internauta, Reis Fátima de seu nome, num comentário a um vídeo de Mariza com o cantor Mika publicado na sua página do Facebook. Indignada (na internet o que está na moda é indignarmo-nos) Reis Fátima comenta, e passo a citar, “Se você pretende tanto o país de África porque não deixa a sua cor preta natural?“, para depois acrescentar “Você devia ser feliz na sua cor natural“. E se as reacções não se fizeram esperar, Mariza não se coibiu de deixar Reis Fátima sem resposta. Explica então a Mariza não ter o cabelo negro mas arruivado, tal como o seu filho, fruto da sua ascendência branca, negra, espanhola e goesa, pelo que, como cidadã do mundo está no seu pleno direito de se expressar como bem quiser. Mariza termina afirmando alcançar muitos corações com o poder da sua música, independentemente da sua raça ou credo, caso contrário a Reis Fátima não estaria “a escrever no meu Facebook. Felicidades Mariza“.
Boa, Mariza! Chama-se a isto um “uppercut“ de direita no queixo da Reis, a qual não só nem sabe de onde o mesmo veio como perdeu uma óptima oportunidade para estar calada. Porque, juro, custa-me compreender como é possível à Humanidade chegar ao século XXI e ainda viver no meio da mesquinhez, do preconceito e da não aceitação do outro de acordo com a sua raça, credo ou sexo. Porque se premissas fundamentais houve conquitadas à força do sangue e da morte de tantos antes de nós, esta foi uma delas. Infelizmente, dependêssemos todos da Reis Fátima e outros como ela e por certo não tardaria a voltarmos ao tempo colonial e à dominação do homem pelo homem no mais primário retrocesso civilizacional que imaginar se possa, onde a vida pouco ou nada vale apenas porque se nasceu com uma cor de pele diferente, não caucasiana, e onde mulheres se sujeitam a violações constantes e homens e crianças vivem as vidas de escravos, sem vida e sem futuro, com direito a uma refeição por dia e porrada quanto baste. Por isso têm tantos portugueses saudades de África. Já o mesmo não podem dizer angolanos, moçambicanos, guineenses, entre outros, acerca dos portugueses.
E se dúvidas houvesse em relação à cor do cabelo da Mariza, basta consultar aquele tesourinho deprimente dos Gato Fedorento onde Mariza, ela própria e com menos 20 anos, aparece a cantar como parte do coro de Luís Filipe Reis com o seu único, pessoal e inigualável, cabelo arruivado.
Infelizmente, cor do cabelo aparte, cor “preta“ e “de África“, parece que a Mariza também é culpada de dormir com “não sei quantos empresários“, vulgo prostituta, pelo menos de acordo com outros internautas, sendo que mais críticas se levantam porque “agora já ninguém pode dizer nada que nos cai tudo em cima“. Bom, meus amigos, e porque a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro, não, já não se pode dizer nada, e sim, garanto-vos como vos cai tudo em cima, porque num estado de direito estamos todos presentes na defesa das liberdades e garantias do indivíduo, as tais premissas básicas supramencionadas e onde a Mariza também se inclui, constituinte de um todo denominado Portugal, independentemente da sua cor de pele ou da sua cor de cabelo, independentemente das suas origens, das pessoas com quem escolheu relacionar-se e de tudo em quanto acredita. Claro que no fim, já se sabe, a Mariza também “é má fadista“, “sempre a guinchar“, mas, meus caros, gostos não se discutem e enquanto os cães ladram a caravana passa, pelo que a Mariza vai continuar a usar o cabelo da cor que bem entender, livre do racismo e livre do mundo, e a cantar para quem goste, e são muitos, porque se certezas há, esta é uma delas: daqui por 100 anos ainda se vai saber quem foi a Mariza, já da Reis Fátima rezará apenas esta mera crónica.