CAIS Recicla há cinco anos a reinventar materiais e vidas
O projecto de eco-design da CAIS Porto tornou-se um negócio sustentável e já criou oportunidades de emprego. A “Semana Aberta” que terminou na passada sexta-feira permitiu mostrar à comunidade que há formas de dar a a volta à vida.
À entrada da oficina da associação Ciclo de Apoio à Integração dos Sem-abrigo (CAIS) do Porto encostada a uma parede, amontoam-se dezenas de caixas de cartão. As caixas ajustam-se umas nas outras, numa pilha que vai crescendo e se vai moldando à medida que se vão encaixando outras, tornando essa pilha cada vez mais forte e estável. Nesta instalação há um paralelo e uma ideia comum ao projecto CAIS Recicla, criado há cinco anos para dar resposta aos recursos humanos e materiais que a associação tinha em abundância. A reorganização desse capital humano existente, em prol de um objectivo comum, tornou este projecto num negócio sustentável e em crescimento.
Para a coordenadora da CAIS Porto, Cláudia Fernandes, este projecto, que tem como base a criação de peças de design a partir de excedentes industriais, assenta num ponto fundamental: “trazer de volta à vida”. Este regresso à vida está naturalmente associado à reciclagem dos materiais excedentários, mas fundamentalmente à reabilitação de pessoas que chegam à associação “sem nada”. Por “sem nada”, Cláudia Fernandes, quer dizer “sem um tecto, sem objectivos, sem sonhos, ou sem amigos”.
Se por um lado foi esse o ponto de partida, cedo se percebeu que a ideia poderia chegar mais longe e tornar-se num negócio. O interesse demonstrado por várias marcas que se foram associando ao projecto (hoje são 15), cedendo materiais e posteriormente tornando-se também clientes, acabaram por resolver outro problema. A CAIS Porto “nunca teve acesso a financiamento público”. A associação funciona com a ajuda de um conjunto de empresas mecenas que de dois em dois anos renova o seu compromisso com donativos em géneros, serviços, dinheiro e produtos. Com o crescimento da marca CAIS Recicla, que acabou por se tornar num “negócio sustentável”, consegui-se uma nova forma de financiamento que é reinvestido noutras actividades da associação.
Se o negócio se tornou viável, também algumas oportunidades se foram abrindo no mercado de trabalho para “alguns” dos cerca de uma dezena de utentes envolvidos. No entanto, não necessariamente na mesma área profissional, como é o caso de Maria do Carmo Sousa, que, depois do seu envolvimento no projecto, frequentou um curso de vendas de curta duração na associação e tem agora um contracto de trabalho a termo certo. Já Humberto Oliveira, artesão do CAIS Recicla, assinou um contrato de um ano com o projecto. Ainda assim, Cláudia Fernandes, sublinha que “a ideia não é criar postos de trabalho dentro da associação”, mas sim “dar ferramentas para que se possam lançar”. Reforça ainda que o “sucesso da iniciativa não pode ser medido apenas por contratos de trabalho que são assinados”, até porque, de acordo com a coordenadora há muitos utentes que trabalham, mas de forma “esporádica ou sem contrato”. Há também casos de pessoas que “simplesmente não conseguem trabalhar” e aí o sucesso depende, sobretudo, da forma como se conseguem reintegrar em sociedade.
A primeira Semana Aberta do CAIS Recicla, que decorreu na semana passada, pretendeu assinalar os cinco anos da iniciativa, envolvendo a comunidade local e convidando-a a participar nas actividades. Um passo que, para Cláudia Fernandes, tem como objectivo “desconstruir o estigma do sem abrigo e diluir as diferenças entre os cidadãos”. Este ano já foi feito um protocolo com algumas escolas de design no sentido de no próximo ano serem apresentadas propostas para novas linhas, que serão posteriormente manufacturadas pelos utentes e postas à venda.
Dos gabinetes de arquitectura até ao CAIS Recicla
Humberto Oliveira representa o paradigma de que nada na vida pode ser assumido como seguro ou vitalício. Nascido no Porto há quase 57 anos, tornou-se designer técnico na sua entrada para a idade adulta. Foi sócio de várias empresas e dono do seu destino profissional durante uma série de anos, até há dois atrás quando foi bater à porta da CAIS, onde hoje é artesão no projecto CAIS Recicla.
Esteve envolvido em “obras de grande envergadura”, nos “melhores gabinetes de arquitectura do Porto”, conta Humberto ao PÚBLICO. O negócio “estava a correr bem” e por isso aventurou-se no interior do país, onde abriu um gabinete com outro sócio. Por falta de liquidez foi obrigado a abrir insolvência e viajou para o Brasil à procura de uma nova oportunidade. Tudo corria bem até há dois anos atrás, “com a queda da economia brasileira”. Voltou para o Porto, onde chegou “apenas com a roupa que tinha no corpo” e sem sítio para onde ir.
Esteve a viver numa loja durante algum tempo e por “intermédio de um amigo” foi “parar” à CAIS. Foi convidado a ser um dos vendedores da revista na zona da Boavista. Com o dinheiro da venda da conseguiu arrendar um quarto numa pensão.
Fruto das suas capacidades profissionais foi convidado a assinar um contrato de um ano como artesão do CAIS Recicla, que assinou “sem hesitar”. O contrato acaba em Setembro, por isso neste momento sabe que tem que “estudar outras opções”. Neste momento já consegue pagar o arrendamento de um apartamento, o que lhe trouxe de volta “alguma auto-estima”.
Humberto ainda não sabe qual será o seu futuro, mas sabe que esta experiência o tornou numa pessoa “mais tolerante, menos arrogante e mais próximo da realidade”.