Cartas à Directora
A política, os média e a “espiritualidade laica”
Estamos sempre a ouvir, a ver e a ler o mesmo tipo de abordagem política sobre os mais variados assuntos. Quer os jornalistas, quer os políticos e os ditos politólogos, só nos falam em números, estatísticas, muitas condicionantes externas, enfim, muitas promessas vagas sobre a melhoria das condições de vida objectiva dos portugueses. Nunca se fala da crise profunda desta sociedade de consumo desenfreado, do espectáculo voyeurista dos média, do abandono, racionalista, de valores éticos e morais que transcendem a própria condição humana. Até hoje só houve uma corrente política, em Portugal, que apresentou um projecto em que o lado espiritual das pessoas era falado e valorizado, numa perspectiva de um futuro melhor para a humanidade e para a sobrevivência do planeta. Falava-se da necessidade de uma “eco-espiritualidade”, da intervenção na sociedade através de duas vertentes – a espiritualidade e a cultura – que são as duas maiores forças de transformação das consciências. Seria essa transformação das consciências que, paulatinamente, gerariam as mudanças nos níveis sociais, jurídicos, económicos e políticos. Não basta apresentar programas que queiram transformar a sociedade de fora para dentro, como é habitual nos partidos políticos, pois os que a querem assim mudar, não se querem mudar a si próprios. Essa corrente já desapareceu do espectro político português, a nível partidário, mas existe cada vez mais em muitas outras latitudes. Na minha opinião, esse projeto de uma política da consciência e do coração não cabe, por enquanto, na nossa vida partidária, mais preocupada com lugares e com propostas de remendos paliativos para uma sociedade decadente. Como alguém disse “utopia é pensar que podemos continuar como até aqui, quando tudo indica o colapso de uma civilização baseada na competição, na ganância, na opressão, na exploração e na violência contra o outro, seja o humano, o animal ou a Terra”. Enquanto as forças partidárias tiverem medo de falar abertamente nessa espiritualidade laica, que é transformadora do mundo, não passaremos da cepa torta, de querer mudar por fora o que está podre há muito por dentro. Espero que os novos movimentos e partidos de esquerda – os velhos infelizmente ainda não lá chegaram - não se esqueçam que a nova revolução passa também pelas nossas consciências. Ao Paulo Borges, que foi aqui citado, o meu incentivo para que continue a pugnar por esses ideais.
José Carlos Palha, Gaia