André Silva: “Tenho encontrado bastantes resistências”

Para o deputado do PAN, só quem não vai ao Parlamento pode pensar que o partido se resume à causa animal. Não está preocupado se o levam ou não a sério, diz-se determinado por representar a voz de “milhares” de pessoas.

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NUNO FERREIRA SANTOS

A mulher tem saudades do tempo em que era só engenheiro e não deputado do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), partido cuja história começou faz amanhã sete anos. É deputado único, apoiado por um assessor jurídico, de imprensa, uma chefe de gabinete, uma administrativa. Em alturas mais complexas vêm reforços do PAN: para olhar para o programa de Governo, Orçamento do Estado (OE). André Silva está a fazer tudo pela primeira vez. Chega ao Parlamento entre as 7h15-7h30, sai às 20h ou 21h. A assessora tentou convencê-lo, pelo menos na sessão do 25 de Abril, mas o deputado não usa gravata. Vegetariano, fumou dos 14 aos 30, deixou de um dia para o outro.

Desde 1999 não entrava, em listas próprias, um novo partido na Assembleia da República (AR). Conseguiu-o e deixou o trabalho de engenheiro especialista em recuperação do património. Como mudou a sua vida?
É um trabalho completamente diferente. Com maior visibilidade, uma carga horária diferente, mais exigente e desafiante a vários níveis. Acabo por estar a representar vozes e vontades que nunca estiveram representadas na AR. Por via dessa novidade, tenho encontrado bastantes resistências. São temas novos que, muitas vezes, as pessoas ouvem pela primeira vez e não estão preparadas para os discutir. Começa a encontrar-se esse tipo de resistências. Mas é bom, porque o debate começa a ser feito.

O seu dia-a-dia como mudou?
Passei a trabalhar mais e a fazer menos tudo o resto.

Não está a cumprir o que defende: mais tempo para lazer, menos trabalho?
É verdade. Neste momento, há uma incoerência entre aquilo que defendemos e o que faço. Acredito que devemos caminhar no sentido de trabalhar menos e ter mais tempo para nós, para os amigos. Aproveitar enquanto cá estamos. Vamos morrer. Até lá, devemos aproveitar a vida da melhor forma. Tenho muito gozo no que estou a fazer, mas entusiasmo-me demais, trabalho demais. Poderia fazer outras coisas que me dão prazer. Conto alterar este ritmo.

Organizar-se de outra forma?
Organizado sou, tenho é de impor regras, dizer que, àquela hora, acabou. Por mais tarde que acabe de trabalhar, há sempre algo para fazer. Também é fruto de uma nova vida, de um entusiamo de querer fazer acontecer, de querer trazer ao debate político e social temas que tenho a certeza que as pessoas querem que sejam debatidos.

Quais?
Vários. Dar-lhe-ia, por exemplo, um que sucessivos governos e partidos continuam em absoluto estado de negação: a pecuária intensiva. Cruzar isso com alimentação, degradação dos ecossistemas, OE, sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, alterações climáticas. Mexe com fortes interesses, portanto, ninguém fala. É uma indústria que produz carnes processadas que a Organização Mundial de Saúde já disse que têm impactos na saúde. É incompreensível como dinheiro público é canalizado para estas indústrias.

Diz que encontrou resistências. Quais?
Essencialmente ao nível da consciência. A vontade política não está a acompanhar, em alguns aspectos, a vontade social. Há assuntos que poderiam estar mais avançados e que, aqui, ao nível dos grupos parlamentares, têm muitas resistências. Mesmo que, a curto prazo, não se consigam desenvolver iniciativas ou aprovar qualquer medida, é importante iniciar o debate político. Isso traz o debate social e acaba por fazer pressão sobre os grupos parlamentares.

Os outros partidos não o levam a sério?
É o não levar a sério por um lado, porque ainda não perceberam o peso ou a dimensão social que [alguns temas] têm…

Pensam que o PAN só defende os animais?
Só quem não tem vindo à AR – e há alguns deputados que, de vez em quando, não vêm – é que pode afirmar que o PAN só defende a causa animal.

Os deputados já não pensam isso?
Acho que não. Quem tem estado atento aos plenários, às nossas iniciativas legislativas e trabalhos nas comissões, percebe que o nosso trabalho não se resume a essa causa. Muito pelo contrário. Quanto ao levar a sério, estou absolutamente confortável e determinado; sei que represento a vontade de muitos e muitos milhares de pessoas [exactamente 74.752 eleitores votaram no PAN].

Que iniciativas tem tido sem ser a causa animal?
Entregámos diplomas sobre igualdade de acesso de adopção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo, sobre direitos no acesso às técnicas de procriação medicamente assistida. Introdução de alimentação local e biológica nas cantinas da administração do Estado; proibição dos organismos geneticamente modificados, do cultivo e produção comercial; regulação da distribuição, venda e aplicação de produtos fitofarmacêuticos; inclusão da opção vegetariana nas cantinas da administração pública; regulamentação da publicidade de produtos alimentares destinada a crianças e jovens. A recomendação ao Governo aprovada por unanimidade para que diligencie o encerramento da central nuclear de Almaraz. E também para que faça um estudo internacional sobre o impacto da distância percorrida pelos alimentos importados, a revogação dos contratos de prospecção e pesquisa de petróleo, a proibição do glifosato…

E vitórias? Que medidas que conseguiram inscrever no OE?
No OE, a questão de dedução em sede de IRS de despesas médico-veterinárias: queríamos que fossem deduzidas como despesas de saúde, passam a ser deduzidas na categoria de exigência por factura. A alteração do IVA de taxa reduzida para normal para a comercialização de aves canoras e para animais cuja criação seja exclusiva para obtenção de peles. A redução do IVA de taxa normal para reduzida de bebidas vegetais, não refrigerantes nem alcoólicas. Foi também importante a recomendação ao Governo para revogar a portaria que permite a caça na reserva da Malcata.

Em que temas encontrou resistências?
Essencialmente nos que se prendem com direitos básicos dos animais e impactos ambientais. Na AR, os direitos dos animais resumem-se a animais de companhia. Na Comissão de Agricultura, a discussão resume-se ao produtivismo e ao sanitarismo. O bem-estarismo, o bem-estar, nunca está presente. À volta daquilo que é a produção de alimentos de origem animal, temos o aspecto produtivo, económico, sanitário, de saúde pública, e o aspecto, cada vez mais na ordem do dia, do bem-estar dos animais em meio de produção. Nunca é discutido. É sempre o deputado do PAN que traz estes assuntos e são sempre vistos com algum desconforto. Nesta casa, são todos absolutamente conservadores no que toca a discutir o bem-estarismo.

Sente que pensam: ‘lá vem o PAN…’?
Sim, mas sinto-me bem. É um desafio, acabo por ser pioneiro.

Não se importa?
Não, de todo. Daqui a alguns anos, estes assuntos agora raros, trazidos só por um deputado, desconfortáveis de discutir, vão fazer parte dos trabalhos da AR.

Quais as dificuldades por ser deputado único e não estar num grupo parlamentar?
O regimento não está preparado. Pode ser alterado, mas é extremamente difícil um deputado único entrar e alterá-lo. Não tinha assento na conferência de líderes; deliberou-se que podia estar como observador, não tenho capacidade de voto, o que é estranho, porque a conferência representa todos os deputados. Ficou deliberado que, em debates de prioridade absoluta – OE, programa do Governo e debates quinzenais – me dariam tempos de um minuto a minuto e meio. E há fortes constrangimentos nos agendamentos: por ano só posso fazer três. Ao nível das comissões, houve uma conquista. Entenderam, e bem, que tenho o mesmo tempo que os grupos parlamentares. Estou nas comissões de Agricultura, Ambiente e Economia.

Acredita que vai eleger mais deputados?
Ainda temos as autárquicas e as europeias. Mas acredito que nas próximas legislativas vamos eleger mais deputados.

Qual a estratégia para as autárquicas?
Está ainda em discussão. Posso adiantar que é aumentar o número de candidaturas face a 2013. Candidatamo-nos a 18 municípios, queremos aumentar a participação.

Qual a sua posição em relação a este Governo? Absteve-se em dois momentos fundamentais: programa e OE…
É uma postura construtiva, de abertura ao diálogo. A nossa abstenção significa um voto de confiança, um sinal de que não estamos aqui para votar contra e apontar apenas o que está mal. Estamos aqui para negociar, também devem negociar connosco. O PAN quer falar com todos os grupos parlamentares. Em conversas informais, com deputados, tenho dito que não tenho problemas nenhuns em estudar iniciativas legislativas conjuntas à esquerda e à direita.

Como avalia os seis meses do Governo da “geringonça”, como lhe chama a direita?
Têm sido felizes e eficazes relativamente àquilo a que se comprometeram. É natural que os detractores chamem geringonça. Eles respondem jocosamente, dizendo que funciona. Para o PAN, independentemente de ser uma geringonça de esquerda ou uma caranguejola de direita, o importante é que exista estabilidade de legislatura de quatro anos. Aparentemente está a ser conseguido. É um acordo histórico de partidos de esquerda que nunca se entenderam, assumem as diferenças e são muitas, nomeadamente ao nível da Europa, mas conseguiram um compromisso para uma governação. Obviamente há conflitos. Existem imposições da União Europeia, mas os partidos que suportam o Governo têm conseguido entender-se.

Como vê as exigências de Bruxelas?
Há uma tutela europeia, que somos, de alguma forma, obrigados a cumprir. Por outro lado, todo este compromisso com as instituições internacionais devia ser alvo de um debate profundo. Há questões que nos fazem perder completamente a soberania. Percebo, por vezes, as exigências dos partidos mais à esquerda. São imposições difíceis, mas são também compromissos que acabámos por assumir.

O PAN é um partido europeísta?
O PAN é um partido europeísta, não desta Europa, mas de uma Europa com os valores fundadores - fraterna, equilibrada, que se entreajuda. Muitas vezes não é isso que se verifica. O que se está a verificar é um jogo de poder, por parte de países mais poderosos que impõem políticas mais austeritárias aos do sul. Nós somos por princípio europeístas, mas somos por princípio mundialistas. No mundo ideal não existiam sequer fronteiras.

Quais os temas prioritários nos próximos tempos?
Neste momento queremos acabar a sessão legislativa cumprindo algumas bandeiras na causa animal. Os projectos de lei, pelo menos do PAN – que foram a debate e baixaram à comissão sem votação – prevêem, entre outras medidas, que os animais deixem de ser coisas e alargar a lei dos maus-tratos a outros animais, além dos considerados de companhia. Também está agendado para 1 de Junho o debate sobre o fim da utilização de crianças em touradas como participantes e espectadores.

 

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