A glória que foge entre os dedos e a que chega quase sem se esperar

No futebol, a felicidade de uns será sempre a desilusão de outros. Na história dos campeonatos decididos na última jornada, há festejos precoces, penáltis traumáticos, maldições repetidas e reviravoltas épicas.

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Os adeptos do Benfica e do Sporting terão um domingo de expectativa até finalizarem os jogos das suas equipas Nuno Ferreira Santos

Um título decidido na última jornada, como vai ser o caso no campeonato português, implica sempre que os candidatos derrotados sofram uma enorme desilusão. No domingo, às 17h, Benfica e Sporting entram em campo com possibilidades de festejar. Separados por dois pontos, os rivais de Lisboa defrontam Nacional e Sp. Braga, respectivamente. Tudo pode ainda acontecer e o trauma cair para qualquer dos lados. Não faltam exemplos no futebol europeu de clubes que deixaram fugir por entre os dedos a glória que tinham ao alcance – ou que, visto pela outra perspectiva, foram mais rápidos no sprint e ultrapassaram os rivais mesmo sobre a meta.

Desde penáltis falhados no último minuto que ditaram a perda do título, a maldições que se repetiram em anos sucessivos; de uma épica reviravolta no período de compensação que permitiu quebrar um longo “jejum”, a um campeonato celebrado cedo demais: há de quase tudo. Um dos episódios envolveu Benfica e Sporting, mas o trauma ficou para um terceiro emblema. Em 1954-55, o campeonato português foi decidido apenas na última jornada com uma ajuda dos “leões” aos rivais, que alcançaram o Belenenses e conquistaram o título. Os “azuis” chegaram à derradeira ronda com um ponto de vantagem sobre os “encarnados”, mas o empate diante do Sporting (2-2) permitiu que o Benfica celebrasse o seu oitavo título.

A história que interrompeu uma série de quatro títulos consecutivos dos “leões” é recordada no almanaque do Sporting, editado em 2004 (Almanaxi Editora): “Na última jornada do campeonato nacional da I Divisão, Belenenses e Benfica estavam de olho no primeiro lugar. Enquanto o Benfica resolveu facilmente (3-0) a sua questão com o Atlético, na Luz, tudo ficou em ‘suspense’ à espera do resultado entre Belenenses e Sporting, nas Salésias. Os 'azuis' ganhavam 2-1 e já havia foguetes no ar quando Martins marcou o golo do empate (2-2) que fez calar as Salésias e estoirar de alegria as hostes benfiquistas. Mal a bola entrou, o avançado 'leonino' abeirou-se de Carlos Silva, guarda-redes belenense, e pediu-lhe desculpa e começou a chorar.”

Também houve lágrimas quando o Deportivo da Corunha deixou escapar aquele que seria o primeiro título de campeão espanhol. Estava-se em Maio de 1994 e os galegos sentiram o sabor amargo da desilusão nos derradeiros segundos da última jornada. Em Camp Nou, o Barcelona, segundo classificado com menos um ponto, ia goleando o Sevilha (5-2) – ao mesmo tempo, a mais de 1000 quilómetros, o Deportivo-Valência não saía do 0-0. Até que, aos 90’, Serer derrubou Nando na área e o árbitro assinalou penálti para os galegos. “Djukic teve esse privilégio tão querido e tão temido pelos futebolistas: a oportunidade de decidir o título na última jogada do campeonato. E então apareceu o lado humano de um futebolista que parece alheio às emoções. Fraquejou. Deixou-se vencer pela tensão e pelo medo. Djukic rematou mal e a bola foi defendida por González. Os adeptos emudeceram, os jogadores desabaram e uma sensação de irrealidade apoderou-se do estádio. O Deportivo não era campeão”, escreveu na altura, no El País, Santiago Segurola. O trauma seria superado, tanto quanto possível, em 1999-2000, quando os galegos conquistaram o título.

Terror em Tenerife

Para o Barcelona, a época 1993-94 permitiu completar um “tri” de campeonatos ganhos na última jornada. Nas duas temporadas anteriores ao trauma sofrido pelo Deportivo, a “vítima” tinha sido o arqui-rival Real Madrid. Com requintes de malvadez: tanto em 1991-92 como em 1992-93, os “merengues” sucumbiram ao que seria descrito como a “maldição de Tenerife”. Em ambas as ocasiões, o Real Madrid chegou à última jornada na frente, mas perdeu na visita às Canárias e foi ultrapassado pelos catalães. “Existe uma maldição, não sei se bíblica, que nos condena a este tipo de lutas fratricidas”, lamentava, em Janeiro de 1994, a propósito de mais um Tenerife-Real Madrid, dessa vez nos quartos-de-final da Taça do Rei, o treinador dos insulares – ninguém menos do que Jorge Valdano, que terminou a carreira de jogador no Santiago Bernabéu e viria depois a ser treinador e director desportivo dos “merengues”.

Foi, literalmente, no último segundo da última jornada que, em 2012, o Manchester City colocou um ponto final em 44 anos de “jejum” na Premier League. Os “citizens” sagraram-se campeões ao vencerem o Queens Park Rangers por 3-2 – após ter estado a perder 1-2, a equipa então orientada por Roberto Mancini deu a volta ao resultado com golos de Dzeko (90'+2’) e Agüero (90'+4’). No terreno do Sunderland, o Manchester United, que vencera por 0-1 e esperava pelo fim do jogo do rival para saber se celebrava ou não, apanhou um "balde de água fria".

O campeonato inglês já tivera outra decisão épica quando, a 26 de Maio de 1989, o Arsenal foi bater o Liverpool por 0-2 para sagrar-se campeão. A partida de Anfield foi uma espécie de final e o triunfo dos londrinos – com o segundo golo a ser apontado por Michael Thomas, que viria a representar o Benfica, no período de compensação – significou que os dois emblemas ficassem igualados na tabela: 76 pontos, 22 vitórias, dez empates e seis derrotas, e exactamente a mesma diferença entre golos marcados e sofridos (+37). Porque tinham mais golos marcados (73 contra 65 dos “reds”), a festa foi dos “gunners”. Contra todos os prognósticos, até porque o Liverpool não perdia em casa por dois ou mais golos de diferença há três anos e o Arsenal não vencia em Anfield há 15.

É uma frase feita, mas que é especialmente verdadeira no futebol: não pode dar-se nada por garantido. Que o diga o treinador português Toni, que há um ano sentiu o sabor amargo de perder um campeonato na última jornada. Ao comando do iraniano Tractor, o técnico liderava a classificação com os mesmos pontos do Naft Tehran, adversário na derradeira ronda num jogo que terminou empatado (3-3). “Por instantes pensei que tinha sido campeão”, confessaria Toni – mas a festa foi do Sepahan, que iniciou a jornada em terceiro, a um ponto da dupla no topo, e passou para a frente com um triunfo sobre o Saipa. A felicidade de uns será sempre a desilusão de outros.

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