Michel Temer, de suplente a Presidente da República do Brasil
O homem que assumiu o cargo após o afastamento de Dilma Rousseff sabe esperar a sua vez. A sua ascensão é fruto de uma carreira política assente na negociação e nos acordos de bastidores.
Apesar de uma carreira política de 30 anos e de ter sido o vice-presidente do país nos últimos cinco anos, poucos brasileiros saberão dizer quem é Michel Temer, o homem que ocupou o lugar de Dilma Rousseff esta quinta-feira, depois de o Senado aprovar o impeachment da primeira mulher eleita Presidente no Brasil. Apenas 2% dos brasileiros votariam nele numas eleições presidenciais, revelou uma sondagem do Instituto Datafolha no mês passado.
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Apesar de uma carreira política de 30 anos e de ter sido o vice-presidente do país nos últimos cinco anos, poucos brasileiros saberão dizer quem é Michel Temer, o homem que ocupou o lugar de Dilma Rousseff esta quinta-feira, depois de o Senado aprovar o impeachment da primeira mulher eleita Presidente no Brasil. Apenas 2% dos brasileiros votariam nele numas eleições presidenciais, revelou uma sondagem do Instituto Datafolha no mês passado.
Até recentemente, Temer, 75 anos, era conhecido sobretudo por ser casado com uma mulher 43 anos mais nova do que ele, uma ex-concorrente de concursos de beleza que tem o nome do marido tatuado na nuca. Michel e a terceira mulher conheceram-se quando ela tinha 19 e ele 61, durante uma campanha eleitoral. O pai de Marcela encorajou-a a enviar um email ao candidato a deputado federal, felicitando-o pela vitória. Temer ligou de volta, convidando-a para sair. Foi o primeiro namoro de Marcela. Casaram quatro meses depois, em 2003. Sem esperar que Temer assumisse a Presidência, a revista Veja publicou há semanas um perfil polémico da potencial nova primeira dama do país, Marcela Temer, descrita como “bela, recatada e do lar”.
Muitos brasileiros ouviram-no discursar pela primeira vez na quinta-feira à tarde, no Palácio do Planalto, quando deu posse ao seu Governo e assumiu a Presidência interina do país. Primeiras impressões: a imagem “retro” de um executivo exclusivamente composto por homens de fato e gravata, sem mulheres e sem minorias, e um orador rebuscado e cerimonioso. A sua ascensão à Presidência é fruto de uma carreira política assente na negociação e em acordos de bastidores com os seus pares no Congresso. Dito de outro modo, Michel Temer é o típico político forjado em Brasília, experiente nos atalhos entre o legislativo e o executivo, mas com pouco apelo popular. “A sua habilidade como articulador é inversamente proporcional ao seu sucesso nas urnas. Desenvolto no bastidor, é péssimo de palanque”, escreveu recentemente o jornal Folha de S. Paulo.
Temer, que completa 76 anos em Setembro, é o mais velho Presidente brasileiro a chegar ao cargo. Filho de libaneses que imigraram para o Brasil na década de 1920, Michel Temer é o mais novo de oito irmãos, e nasceu em Tietê, uma cidadezinha no interior do estado de S. Paulo, a 100 quilómetros da capital paulista. Michel mudou-se para a cidade de S. Paulo no final dos anos 50 para completar os estudos de liceu. Depois, seguiu o exemplo de quatro dos seus irmãos e ingressou em Direito na Universidade de São Paulo.
No primeiro ano de faculdade, em 1959, foi eleito segundo-tesoureiro da associação académica. A direcção da associação foi convidada para almoçar pelo então governador de S. Paulo, Ademar de Barros, que deu origem ao lema “Rouba, mas faz” depois associado a outros políticos. Ao saber do cargo de Temer, o governador interessou-se por ele: “Segundo-tesoureiro? Então você é o homem do dinheiro? Senta aqui ao meu lado.” “Eu fiquei vermelho, morto de vergonha”, contou Temer à revista Piauí em 2010. Foi a sua estreia no mundo da política. Licenciado em 1963, conseguiu um emprego como técnico de gabinete na Secretaria de Educação no governo de... Ademar de Barros.
Quando se deu o golpe militar de 1964, preferiu a neutralidade – não apoiou nem resistiu. Na ditadura, fez carreira como advogado e deu aulas de Direito Constitucional na Universidade Católica de S. Paulo (PUC), onde conheceu o também professor André Franco Montoro, que já era um político experiente com dois mandatos de deputado federal. Essa ligação é decisiva para Temer: Montoro era filiado no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o único partido oficial da oposição durante a ditadura, numa espécie de bipartidarismo consentido. Em 1980, MDB converte-se no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), e Temer filia-se no ano seguinte. Em 1982, quando é eleito governador de S. Paulo, Montoro convida-o para ser procurador-geral do Estado e, mais tarde, para chefiar a secretaria de Segurança. Ainda em 1982, publicou um manual de direito constitucional que ainda hoje é um dos mais usados nas universidades.
Tal como a sua chegada à Presidência da República, a estreia como deputado no Congresso Nacional aconteceu por acesso indirecto. Candidato pelo PMDB em 1986, não se conseguiu eleger, mas ficou com a vaga de suplente. Assumiu o mandato no lugar do colega de partido Tidei de Lima, que se licenciou do cargo para chefiar a Secretaria de Agricultura do estado de S. Paulo. Foi assim que Temer participou da Assembleia Constituinte que escreveu a Constituição de 1988, documento fundador da redemocratização brasileira.
Em 1990, Temer concorreu à reeleição para a Câmara dos Deputados, mas novamente só teve votos para uma vaga de suplente. A sua eleição só aconteceria quatro anos depois, em 1994, depois de uma nova passagem pela Secretaria de Segurança paulista, onde terá ajudado a conter a crise criada pelo célebre massacre do Carandiru, no qual 111 reclusos daquele estabelecimento prisional foram assassinados pela Polícia Militar durante uma rebelião.
Em 1994, o PMDB de Temer elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados, o que dava ao partido o direito à presidência da Casa. Coube a Temer ser o principal interlocutor do seu partido com o recém-eleito Presidente Fernando Henrique Cardoso. Contudo, em vez de exigir a cadeira de presidente da Câmara, Temer fez um acordo com o Partido da Frente Liberal (PFL), que ajudara o PSDB de Fernando Henrique a conquistar a Presidência: um deputado do PFL presidiria no primeiro biénio, entre 1995 e 1997, e Temer sucederia no cargo nos dois anos seguintes.
Assim é Michel Temer: sabe preparar a sua vez. Aconteceu outras vezes: em 1988, quando uma cisão interna levou várias figuras da cúpula do PMDB – entre elas, Fernando Henrique Cardoso – a sair e a fundar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Temer concluiu que tinha mais chances de ascender mantendo-se onde estava. A fila do poder no PSDB era longa.
Presidiu à Câmara dos Deputados em três ocasiões, durante o governo de Fernando Henrique e de Lula da Silva. Lula não gostava dele. “Achava-o aristocrático. Dizia que ele olhava os outros de cima para baixo”, contou à Piauí em 2010 Geddel Vieira Lima, do PMDB, ex-ministro do governo Lula e agora ministro de Temer (e investigado pela Operação Lava Jato). Mas Lula não teve escolha quando o PMDB, com o qual o seu governo forjara uma aliança na sequência do escândalo do Mensalão, elegeu Temer para presidir o partido em 2007 (o governo de Lula apoiava outro candidato).
Líder do partido com maior número de cadeiras no Congresso, foi assim que se tornou no nome escolhido para vice-presidente na candidatura de Dilma Rousseff em 2010 – como um casamento arranjado. A relação entre os dois foi formal mas civilizada no primeiro mandato. Mas, quando o segundo Governo de Dilma, inaugurado em Janeiro de 2015, se tornou extremamente impopular e questionado, os ressentimentos aparentemente acumulados por Temer vieram ao de cima. Em Abril do ano passado, o vice foi nomeado para ser o articulador político do Palácio do Planalto com o Congresso. Temer deixou a função ao fim de quatro meses, dizendo ao seu círculo próximo que Dilma tinha ciúmes da sua convivência com congressistas e que desautorizava todos os acordos que ele fazia.
Terá começado aí o afastamento gradual e irreversível entre os dois. O PMDB lançou uma espécie de programa de governo, intitulado Ponte Para o Futuro, desafiando abertamente as políticas de Dilma e emitindo sinais atractivos para o sector privado e para os mercados de investimento. Em Dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, próximo de Temer, accionou o processo de impeachment, Dilma e o seu núcleo duro cobraram uma demonstração de lealdade e a Temer.
Num gesto que rompeu com a sua reputada discrição, Temer reagiu através de uma carta dirigida à Presidente, onde se queixava de ter sido sempre um “vice decorativo” menosprezado pelo Planalto. A carta sinalizou uma ruptura que ficou selada em Abril deste ano, com a saída oficial do PMDB da coligação do Governo. O “discreto” e “contido” Temer deixou de sê-lo e passou a trabalhar activamente para afastar a Presidente, que o acusou de traição. Temer entrou em campanha nos bastidores do Congresso, negociando votos a favor do impeachment.
Michel Temer tem sido citado nas investigações sobre o escândalo de corrupção na Petrobras. O seu nome aparece numa grelha de pagamentos apreendida junto de ex-executivos da construtora Camargo Correa, envolvida no escândalo. E foi também mencionado numa troca de mensagens entre o ex-presidente da construtora OAS, também envolvida no esquema de corrupção, e Eduardo Cunha, em que este se refere a um pagamento de cinco milhões de reais feitos a Temer.
Temer diz que realmente recebeu os cinco milhões, mas como contribuição para a sua campanha eleitoral. Delcídio do Amaral, um ex-senador detido pela polícia, testemunhou que Temer foi o responsável pela escolha de dois directores da Petrobras, hoje detidos por causa do seu envolvimento no escândalo de corrupção. Mas Temer teve uma boa notícia recentemente, quando o procurador-geral da República Rodrigo Janot anunciou que as acusações não eram suficientes para abrir um inquérito contra ele.
Há poucos anos, Michel Temer publicou um livro de poemas – segundo ele, todos escritos em guardanapos de papel nas viagens de avião entre S. Paulo e Brasília – intitulado Anónima Intimidade. Ingénuos e juvenis, eles têm sido perscrutados pela imprensa brasileira em busca de leituras políticas ou proféticas. Versos citados pela Globonews no dia em que Temer se tornou Presidente: “Ando a procura de mim. Só encontro outros que, em mim, ocuparam o meu lugar”.