Poderá uma invisível película sintética dar à pele um aspecto juvenil?
A aplicação na pele, à maneira de um creme, de um material que demorou anos a desenvolver, foi testada num punhado de pessoas. E revelou-se capaz de conferir durante horas um aspecto mais jovem aos rostos envelhecidos.
Há dezenas de produtos cosméticos à venda que, supostamente funcionando com base em diversos mecanismos celulares, nos prometem tornar a nossa pele mais firme e apagar as nossas rugas. Os dermatologistas, no entanto, concordam em dizer que estes cremes, incluindo os mais caros e que os seus fabricantes dizem ser o fruto dos mais recentes avanços da ciência, na realidade não fazem muito mais do que hidratar a pele.
Claro que é inegável que a hidratação da pele melhora o seu aspecto e elasticidade. Porém, os estudos científicos que têm tentado confirmar os outros efeitos rejuvenescedores desses cosméticos são escassos – e a maior parte é inconclusiva.
Mas agora, Robert Langer, conhecido biólogo e biotecnólogo do Instituto Koch do MIT (Instituto de Tecnologia do Massachusetts, EUA), e os seus colegas poderão ter conseguido fabricar uma substância que, aplicada à pele humana sob forma de creme ou de pomada, produziria um “rejuvenescimento” artificial, dando de forma temporária um aspecto mais jovem e saudável à pele envelhecida. Não seria a pele a ficar menos flácida e com menos rugas, como apregoam os fabricantes de cosméticos –, mas apenas a parecê-lo durante algumas horas.
Mais precisamente, os cientistas anunciaram ter desenvolvido um material sintético (um polímero) que, quando espalhado sobre a pele humana, cria segundo eles uma “segunda pele”, mais firme e elástica, reduzindo assim de forma nítida rugas e bolsas debaixo dos olhos. Os seus resultados, ainda preliminares, foram publicados na segunda-feira na edição online da revista Nature Materials. E poderão ter, para além de implicações cosméticas, implicações médicas no tratamento de doenças da pele – ou ainda, por exemplo, na protecção contra os raios ultravioletas do Sol.
Para além de ser o nosso maior órgão, a pele é um órgão que está em contacto directo com o ambiente. Mas ao envelhecer, vai-se tornando menos firme e elástica, o que reduz a sua capacidade de proteger o organismo contra toxinas, micróbios, radiações e outras agressões ambientais.
Quanto ao novo material, forma “uma camada invisível que poderá fornecer uma barreira física, uma melhoria cosmética e, potencialmente, ser usada como veículo para administrar medicamentos por via cutânea”, diz o co-autor Daniel Anderson, do Departamento de Engenharia Química e do Instituto Koch para o Estudo Integrado do Cancro (ambos no MIT), em comunicado da instituição norte-americana. “Essas três coisas juntas poderiam tornar este material ideal para ser usado em seres humanos”, salienta.
Pele artificial
Foi há quase uma década que estes cientistas decidiram ver se era possível fabricar um revestimento cutâneo protector capaz de dar novamente à pele um aspecto saudável, tanto para fins médicos como cosméticos, lê-se no comunicado.
“Começámos a desenvolver este material há oito anos”, disse Langer ao PÚBLICO. “Trata-se de um polímero à base de silicone [chamado polisiloxano], cujas cadeias moleculares se organizam formando uma rede”, explica-nos. “Criámos uma biblioteca de centenas de variantes deste polímero e analisámo-las uma a uma, à procura daquele que possuísse as características ópticas, de inocuidade e mecânicas [firmeza e elasticidade] que melhor simulassem as da pele humana jovem e saudável”, acrescenta. Segundo ele, este é o primeiro material a ser desenvolvido com estas qualidades.
“Criar um material que se comporte como a pele é muito difícil”, diz por seu lado, no comunicado, a co-autora Barbara Gilchrest, do Hospital Geral do Massachusetts em Boston. “Muitos especialistas já tentaram fazê-lo, mas os materiais disponíveis até aqui não apresentavam a flexibilidade nem o conforto necessário e podiam provocar irritação, para além de não se adaptarem aos movimentos naturais da pele e de não recuperarem a sua forma inicial” quando eram distendidos, como acontece com a pele natural.
Em testes laboratoriais, o material finalmente escolhido pela equipa como tendo o melhor desempenho, que é ao mesmo tempo impermeável e respirável, regressava rapidamente ao seu estado original após ter sido esticado até mais de 250% das suas dimensões (contra os 180% suportados pela pele natural). E segundo os autores, esta elasticidade revelou ser muito maior do que a dos outros dois tipos de pensos hoje utilizados para proteger as feridas cutâneas, que são as folhas de gel de silicone e os filmes de poliuretano.
Na fase actual do trabalho, o material é aplicado na pele em duas etapas: primeiro, as cadeias moleculares de polisiloxano são espalhadas sob forma de creme. E a seguir, é aplicado um outro creme, que contém platina, um catalisador que, a temperatura ambiente – e sem qualquer tratamento adicional –, escrevem os cientistas no seu artigo, faz com que as cadeias de polisiloxano se liguem entre si formando uma rede tridimensional.
Rugas e bolsas
Os cientistas realizaram várias experiências para testar a inocuidade e a eficácia do material resultante. Em particular, aplicaram-no a 12 voluntários na zona do rosto situada imediatamente abaixo da pálpebra inferior, onde se formam as bolsas, que vão aumentando com a idade. “Estas bolsas são provocadas pela saliência da camada adiposa que se encontra por baixo da pele da pálpebra inferior”, explica o comunicado.
Os cientistas puderam assim observar que, ao ser aplicado, o material exercia uma força sustentada que comprimia a pele. Resultado: numa escala de 0 a 4 de tamanho das bolsas, os voluntários inicialmente com bolsas de grau 4 desceram para o grau 2. “Até aqui, só era possível obter uma redução de dois pontos [das bolsas] realizando uma blefaroplastia da pálpebra inferior, um procedimento cirúrgico invasivo”, fazem notar os autores.
No estudo, este efeito sobre as bolsas debaixo dos olhos atingia o seu máximo três horas após a aplicação do tratamento. Mas os efeitos em termos de firmeza da pele eram imediatos, explicam ainda os cientistas, e o máximo de elasticidade da pele demorava uns minutos a ser atingido. Numa outra série de experiências, também concluíram que a pele tratada adquiria, passadas quatro horas, um aspecto mais liso, menos irregular, do que a de um grupo de controlo em que a segunda substância aplicada era um “placebo” – ou seja, não continha o catalisador necessário para a organização em rede do polisiloxano.
Os cientistas também aplicaram o material na pele fina da zona interior do antebraço de seis pessoas para testar a elasticidade do material e, com a ajuda de ventosas, mostraram que a pele sugada regressava à sua posição original mais depressa que a pele não tratada.
Noutros testes ainda, aplicaram o tratamento nas pernas de 22 pessoas com secura cutânea moderada a grave, de forma a testar a capacidade de o material impedir a desidratação. Duas horas após a aplicação, a perda de humidade da pele tratada com o novo material revelou-se muito inferior ao da pele tratada com um produto hidratante comercial de topo de gama, salienta o comunicado. Também fizeram comparações com parafina líquida (utilizada, por exemplo, para acelerar a cicatrização de feridas e queimaduras). E embora a perda de humidade tenha sido semelhante para os dois produtos duas horas após a aplicação, acabou por ser muito inferior no caso do novo material quando foi medida 24 horas mais tarde.
“Esta camada de material, que pode ser ‘vestida’ para restaurar a mecânica e o aspecto normal da pele, não tem precedente e fornece uma plataforma a partir da qual poderá ser possível resolver outros problemas cutâneos”, lê-se no artigo. Por exemplo, integrando na rede do polímero ingredientes que protegem contra os raios UV, seria possível fabricar cremes solares mais resistentes e de acção muito mais duradoura.
Efeito transitório
Como já foi referido, o efeito do tratamento não é permanente. “O polímero desaparece após 16 a 24 horas”, diz-nos Langer. Ou seja, se e quando o material se tornar comercializável, será em princípio necessário renovar diariamente a aplicação. Uma das melhorias possíveis que estão na mira dos cientistas consistiria aliás em conseguir prolongar essa duração, tornando as aplicações menos frequentes.
Os autores especulam também que o novo material poderia “ser potencialmente capaz de gerar uma ‘memória mecânica’ cutânea, que se traduziria numa mudança transitória da pele subjacente após a remoção do polímero”. Com esta ideia em vista, os escrevem que tencionam, “em futuros estudos, examinar os benefícios a longo prazo para a pele decorrentes de um uso diário e repetido do material”.
Seja como for, ainda não chegaram sequer a uma fase em que possam afirmar que o polímero entrará um dia na prática médica ou no mercado de grande consumo. Por enquanto, o estudo mostra apenas que a abordagem poderá ser viável.
Para continuar a desenvolver esta tecnologia, Langer e Anderson co-fundaram entretanto uma empresa, a Olivo Labs. Numa primeira fase, diz o comunicado, a equipa da empresa irá focar-se em aplicações médicas destinadas a tratar doenças cutâneas como o eczema (uma inflamação da pele que pode ser grave).
Os cientistas mostram-se optimistas: “O conceito de ‘segunda pele’ aqui descrito poderia potencialmente dar origem à próxima geração de segundas peles com grandes benefícios terapêuticos, permitindo ao mesmo tempo que a pele tenha um aspecto natural e se comporte naturalmente”, conclui o artigo.
Mas quando lhe perguntámos concretamente quando é que o polímero poderá vir a ser comercializado para aplicações médicas e/ou cosméticas, Langer recusou-se a dar sequer uma estimativa: “Não sei dizer”, respondeu.