As flores no telhado

As flores no telhado singram. As cores sangram de tanta vida.

Maio chora e chove o Verão que aí vem. Maio é um raio de um mês e está contra nós.

Descem cataratas do céu, de água má, que nos tinge a pele da cor daquilo que vestimos para nos proteger da chuva.

As flores nos telhados não querem saber. São altas e cor-de-rosa. Levam com a chuva toda mas bebem-na. Ajuda-as a crescer. Jogam como ela, como psicopatas, que todas as plantas são.

Hei-de morrer sem conhecer a inteligência da primavera. A arma secreta é enganar-nos que, com cada ano que passa, ignoramos um bocadinho menos. É mentira. Não. Nem sequer tem a dignidade intencional de uma mentira. É um sucedâneo da nossa estupidíssima ambição de compreendermos onde estamos metidos.

Que sonho seria – que bom para as nossas garagistas auto-estimas – podermos pensar que Maio, como o único mês totalmente primaveril, é um embuste inventado para nos dar a volta.

As flores nos telhados da nossa casa e das casas à nossa frente crescem porque não precisam de nós. Ajudam-nos a sermos humildes, se tivermos juízo.

Ter juízo é aprender a pensar que, por muito indiferentes ou importantes que sejam as nossas fantasias do que valemos e das razões porque nascemos, tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá não depende nunca de uma única pessoa: sobretudo daquela que todos pensamos ser.

As flores no telhado singram. As cores sangram de tanta vida. Os pombos conspiram com elas. A beleza é a única justificação. O amor existe. Mesmo sem seres humanos. É assim.

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