Um Presidente forçado a defender o seu legado económico
Quando tomou posse, os EUA perdiam postos de trabalho ao ritmo de 800 mil ao mês e, agora, a taxa de desemprego já voltou aos 5%. Mas o sentimento na população de que as coisas não voltaram a ser como eram obrigam Obama a defender-se.
Dificilmente Barack Obama poderia ter tomado posse como presidente dos Estados Unidos numa pior conjuntura económica. Três meses antes, os mercados financeiros internacionais tinham entrado em queda livre depois de o banco de investimentos Lehman Brothers declarar falência e a AIG forçar as autoridades federais a realizarem um resgate financeiro de quase 150 mil milhões de dólares. No início de 2009, quando passou a ser presidente, a economia dos Estados Unidos perdia 800 mil empregos por mês e a probabilidade de repetição de um cenário idêntico ao da Grande Depressão dos anos 30 do século passado era considerada por muitos como provável.
Passados oitos anos e quase dois mandatos completos na presidência, é seguro dizer-se que Obama conseguiu evitar esses cenários negativos. O sistema financeiro evitou o colapso e o desemprego caiu outra vez para níveis muito baixos, na casa dos 5%. Mas apesar deste aparente sucesso, encontrar no meio da campanha eleitoral das primárias alguém que defenda o legado económico da presidência Obama é uma tarefa quase impossível. Seja do lado dos Republicanos, seja dos Democratas. De tal forma que o próprio presidente do Estados Unidos se vê forçado, por sua conta e risco, a recorrer ao auto-elogio.
Numa entrevista publicada na semana passada pelo The New York Times, Barack Obama não poupou nas palavras ao tentar passar a ideia de que aquilo que aconteceu à economia norte-americana nos últimos oitos anos foi extraordinário. “Eu comparo o nosso desempenho económico, àquilo que historicamente foi conseguido por países que atravessaram crises financeiras graves. E, por essa medida, nós provavelmente conseguimos gerir isto melhor do que qualquer grande economia no mundo na história moderna”, afirmou.
Para sustentar este tipo de afirmação, Obama tem realmente alguns números impressionantes. Basta comparar a evolução da taxa de desemprego nos EUA (que está nos 5%) com a da zona euro (que se mantém acima dos 10%) para perceber que a economia onde nasceu a crise financeira internacional conseguiu sair dela de forma mais rápida e eficaz. Depois de ter de intervir fortemente para salvar os sectores financeiro e automóvel, o défice público está a um nível inferior a antes da crise. E na banca e nos mercados financeiros, que pareciam no final de 2008 caminhar para um poço sem fundo, tudo parece ter voltado à normalidade do passado.
E por isso, Obama insiste: “Alguém que diga que não estamos melhor hoje do que estávamos há sete anos, não está a ser honesto”.
O problema para o presidente é que, não só há muitos políticos, nos dois partidos, a dizer precisamente isso, como esse parece ser o sentimento da maior parte da população, que o demonstra aliás com o voto de protesto em candidatos que não se cansam de criticar a situação económica em que vivem os norte-americanos actualmente.
O que explica esta diferença entre aquilo que o presidente diz do desempenho económico dos Estados Unidos e aquilo que maioria dos norte-americanos sente? Na entrevista ao The New York Times, Obama responde que é essencialmente um problema de comunicação, mas a verdade é que há outros indicadores que dão pistas em relação ao que pode estar a acontecer.
Apesar de a taxa de desemprego ter caído para 5%, um nível bastante baixo em termos históricos, a taxa de emprego da população encontra-se ainda a níveis claramente mais baixos do que os registados antes da crise. Isto é, houve muitos norte-americanos que, nos últimos anos, desistiram pura e simplesmente de procurar emprego, passando directamente para a população inactiva.
Além disso, ainda mais significativo é o facto de aqueles que conseguiram voltar a ter um emprego estarem a sentir grandes dificuldades em regressar aos níveis de rendimento que tinham anteriormente. O rendimento médio real das famílias norte-americanas é actualmente cerca de 4000 dólares por ano mais baixo do que era antes da crise. Um número que se torna ainda mais preocupante se se levar em conta que os níveis de desigualdade de rendimento nos Estados Unidos continuaram nos últimos anos a subir.
Estas fragilidades ganham ainda mais expressão se se pensar que, para a redução do desemprego e estabilização do sector financeiro, as suas grandes vitórias, Barack Obama contou com a ajuda preciosa da Reserva Federal liderada por Ben Bernanke e Janet Yellen, duas personalidades que o presidente reconduziu e nomeou, respectivamente.
Embora firme a defender o seu legado económico, Obama não deixa de reconhecer a sua incapacidade para ir mais longe em várias áreas. O presidente não deixa no entanto de assinalar a oposição que teve no Congresso.
Quando tomou posse em 2009, e os democratas ainda dominavam as duas câmaras do congresso, Obama começou por pôr em prática um pacote de estímulo à economia de 800 mil milhões de dólares, que à direita foi visto como excessivo e à esquerda como insuficiente. Depois lançou mais um mega plano para salvar a indústria automóvel norte-americana e conseguiu fazer passar nova regulação para a banca.
Em 2012, tinha a intenção de lançar mais um mega plano de investimento, com o qual pretendia criar mais empregos, melhorando ao mesmo tempo as infraestruturas do país. No entanto, com os Republicanos já a dominar o Congresso, Obama escolheu as suas batalhas, decidindo dedicar-se à reforma do sistema de saúde, com o Obamacare.
E se, do lado republicano, as críticas que se ouvem têm mais a ver com o que dizem ser uma intervenção excessiva do Estado que impede a economia de ser mais competitiva, entre os democratas é a incapacidade de fazer a retoma económica chegar a todos que alimenta o descontentamento. E as críticas surgem mesmo dos sítios mais inesperados. “Milhões e milhões e milhões de pessoas olham para essa imagem bonita da América que ele pintou e não conseguem ver-se nela para salvar as suas vidas”, afirmou o ex-presidente Bill Clinton, marido da mais provável candidata do partido às presidenciais deste ano, que numa entrevista à CNN disse querer "começar a lidar realmente com a economia, pô-la a funcionar outra vez", não hesitando em deixar Obama sozinho, muito sozinho, a defender o seu legado.