Passos Coelho: “O Túnel do Marão não é dos partidos”

Hoje, José Sócrates aparecerá em público ao lado de António Costa na inauguração do Túnel do Marão. Passos, não. Socialistas acreditam que haverá interpretações, mas que não porão em causa o primeiro-ministro.

Foto
Aspecto de uma das entradas do túnel ainda em obras, em Outubro do ano passado Fernando Veludo/NFactos

A obra foi lançada por um, concretizada por outro e terminada por um terceiro. Mas neste sábado, apenas os chefes de Governo socialistas vão marcar presença na inauguração do Túnel do Marão. A presença de José Sócrates, lado-a-lado com António Costa, belisca os socialistas que acreditam que pode haver aproveitamento político da oposição, mas não os preocupa. Já Passos Coelho prefere apenas lembrar que, apesar de não estar na cerimónia, tem um lugar na história.

“O Túnel do Marão não é dos partidos. É dos portugueses. É uma obra consensual que beneficiará a competitividade e a coesão do país”, responde Pedro Passos Coelho ao PÚBLICO, quando questionado sobre o facto de a obra poder ficar associada a governos PS. Em causa está o facto de a maior obra pública concretizada durante o seu mandato ser inaugurada este sábado, sem que ele esteja lá na hora de cortar a fita. O líder social-democrata foi convidado pelo Governo, mas recusou por ter agendada uma conferência para assinalar o aniversário do PSD. Além disso, poderia não estar, mesmo que não tivesse agenda, uma vez que nunca inaugurou uma obra pública. "Não tenho memória que o ex-primeiro-ministro tenha inaugurado uma obra rodoviária”, afirmou o deputado Luís Leite Ramos aos jornalistas no Parlamento.

Passos Coelho prefere não falar de José Sócrates, aliás, os sociais-democratas evitam fazer, por agora, o aproveitamento da junção entre José Sócrates e António Costa, mas não escondem que, se houver uma imagem dos dois, pode servir para a guerrilha política. “Uma foto vale mais do que mil palavras”, disse um deputado social-democrata.

E é essa imagem que os socialistas acreditam que pode suscitar leituras e que mais cedo ou mais tarde haverá “interpretações” feitas pela direita. Desde o início do mandato de António Costa que a estratégia do PSD foi a de colar o primeiro-ministro ao passado, leia-se a José Sócrates, não pelo lado da justiça, mas acusando-o de querer regressar a um passado alegadamente despesista. A foto dará os argumentos e a oportunidade para a crítica, numa altura em que o Governo cumpre seis meses.

Os socialistas acreditam que essa associação de ideias vai aparecer, depois do encontro e num debate que se siga. Mas para já dizem não estar preocupados com eventuais efeitos na popularidade do primeiro-ministro. Do lado do PS, as respostas foram quase todas no mesmo sentido: “É natural que tenha sido convidado. É uma questão protocolar e institucional. É natural o Governo convidar os ex-primeiros-ministros responsáveis pela obra”, disse ao PÚBLICO o deputado e porta-voz do partido João Galamba. O mesmo responde o deputado Paulo Trigo Pereira, que no entanto acrescenta que "é óbvio que vão aparecer múltiplas leituras" do acontecimento, mas que é natural que Sócrates esteja presente: "Está em pleno gozo dos seus direitos cívicos".

O efeito tóxico de José Sócrates no Governo é no entanto esperado, até porque será a primeira vez que aparecerá junto de Costa desde que este é primeiro-ministro. À boca pequena, há socialistas que admitem que preferiam que José Sócrates não fosse. Mas a esperança sairá gorada. A intenção do ex-primeiro-ministro é mesmo de estar presente, garantiu ao PÚBLICO o porta-voz de José Sócrates.

Uma relação agastada

A relação entre José Sócrates e António Costa já teve dias melhores. Sócrates não gostou da atitude de António Costa quando foi detido e Costa não gostou das críticas de Sócrates ao seu Governo, que ainda recentemente disse que "nunca seria primeiro-ministro sem ganhar eleições". E esta nem foi a primeira vez que o ex-líder do partido pôs em causa a actuação do amigo. 

O timing da detenção de José Sócrates não favoreceu António Costa. O socialista tinha vencido António José Seguro nas primárias, mas estava em plenas directas do partido, a 22 de Novembro de 2014, quando a notícia caiu que nem uma bomba. No sábado de manhã, enviou uma mensagem aos militantes pedindo serenidade e que separassem a política da justiça: "Os sentimentos de solidariedade e amizade não devem confundir a acção política do PS", escreveu.

Mas durante semanas seria pressionado para responder se iria visitar o amigo à prisão. Só o fez no último dia do ano, voltando a separar a política da justiça. E Sócrates não gostou. Mas só mais tarde haveria de o dar a entender. Disse-o em entrevista no final de 2015. "Ao fim de seis meses, eu realmente o que contava não é que o PS interviesse no processo, mas que o PS dissesse: 'Desculpem, mas não será o momento de apresentarem as provas?". A resposta foi seca. "Felizmente a crítica no PS é livre", disse Costa.

O facto é que o processo judicial de Sócrates não tem ajudado a acção política de Costa. Quando o já consagrado líder do PS tentou puxar a discussão para as políticas públicas, pondo o programa do partido à discussão numa Convenção Nacional em Junho de 2015, o evento acabaria por ser abafado pela notícia, no final da convenção, de que Sócrates poderia sair da prisão de Évora para casa, com pulseira electrónica. Sócrates recusou, mas, mediaticamente, a convenção já tinha desaparecido.

E voltou a não ajudar quando saiu mesmo de Évora para prisão domiciliária, no início de Setembro, em plena pré-campanha eleitoral.

Nota: Onde antes se lia José Leite Ramos, deve ler-se Luís Leite Ramos, o nome correcto do deputado do PSD.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários