E depois do Ébola?

Na Guiné-Conacri, o vírus do Ébola destruiu famílias e a economia de um país. Há quem ainda receie sair de casa ou comprar fruta na rua. O surto desapareceu, mas o regresso à normalidade ainda tarda.

Na associação Fundo de Desenvolvimento das Mulheres Africanas (AWDF), as mulheres ajudam no cultivo de cereais e legumes e na produção manual de sabão Ruth Mcdowall/Billy McTernan
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Na associação Fundo de Desenvolvimento das Mulheres Africanas (AWDF), as mulheres ajudam no cultivo de cereais e legumes e na produção manual de sabão Ruth Mcdowall/Billy McTernan

Ruth Mcdowall, fotógrafa neozelandesa, viajou até à Guiné-Conacri para documentar as consequências do Ébola. O fim do vírus ainda não foi declarado pois podem surgir novos casos, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou no início deste ano o fim do último ressurgimento do vírus na Libéria. “Houve uma grande cobertura dos media quando a epidemia do Ébola estava no auge, mas quando terminou, as comunidades ficaram em grandes dificuldades e já não há tanta atenção sobre o problema”, disse Ruth numa entrevista por e-mail ao PÚBLICO.

Ruth passou uma semana a conhecer o trabalho do Fundo de Desenvolvimento das Mulheres Africanas (AWDF) na Guiné-Conacri, onde várias mulheres se juntam para ajudar os sobreviventes do Ébola ou pessoas cujos familiares morreram infectados com o vírus. Para além de dar apoio psicológico, as mulheres ajudam no cultivo de cereais e legumes e na produção manual de sabão, como incentivo à economia. Nas ruas da capital, Conacri, Ruth encontrou um grupo de pessoas traumatizadas e à procura de estabilidade emocional e financeira. “A fotografia é muito limitada no que toca em ajudar pessoas, mas muitas vezes as pessoas só querem contar a sua história e saber que ela foi ouvida”, diz Ruth, que foi viver para a Nigéria em 2009 e fez uma série de retratos de pessoas que foram raptadas pelo Boko Haram e conseguiram escapar.

Vários comerciantes falaram com a fotógrafa, desde farmacêuticos, mecânicos e vendedores de rua, que não perderam membros da família mas clientes. Todos esperam que o país volte à normalidade, livre do vírus e do terror vivido que esvazia as ruas.

A epidemia do Ébola começou em Dezembro de 2013, no Sul da Guiné-Conacri, e tomou uma dimensão sem precedentes, provococando o pânico mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), morreram 11.315 pessoas entre as 28.640 infectadas, a maioria na Guiné, Libéria e Serra Leoa. 

 

Sibila Lind

O mecânico Kouyate não tem mercadoria e as encomendas que faz nunca chegam como quer. “Agora não podemos ter visto. Há um ano que não viajo”, diz. “Se estivesse lá, podia encontrar aquilo que preciso, com qualidade."
O mecânico Kouyate não tem mercadoria e as encomendas que faz nunca chegam como quer. “Agora não podemos ter visto. Há um ano que não viajo”, diz. “Se estivesse lá, podia encontrar aquilo que preciso, com qualidade." Ruth Mcdowall/Billy McTernan
"Antes do Ébola, havia uma crise política que mesmo com o vírus não parou”, diz Bermakhane, proprietário de uma loja de transferências bancárias. “As coisas não estão bem para a Guiné porque antes podia-se ganhar mais de 20 dólares por dia, mas com os protestos políticos e o Ébola, para ganhar um dólar, é preciso trabalhar o dia inteiro."
"Antes do Ébola, havia uma crise política que mesmo com o vírus não parou”, diz Bermakhane, proprietário de uma loja de transferências bancárias. “As coisas não estão bem para a Guiné porque antes podia-se ganhar mais de 20 dólares por dia, mas com os protestos políticos e o Ébola, para ganhar um dólar, é preciso trabalhar o dia inteiro." Ruth Mcdowall/Billy McTernan
Adama vende fruta na rua. “Foi muito difícil durante o surto. Tinha de lavar a fruta a cada minuto e as mãos também”, diz. Fica o dia inteiro na rua. Muitas vezes sem vender nada. “Não tenho esperança. Não consigo alimentar a minha família com o que ganho, não chega."
Adama vende fruta na rua. “Foi muito difícil durante o surto. Tinha de lavar a fruta a cada minuto e as mãos também”, diz. Fica o dia inteiro na rua. Muitas vezes sem vender nada. “Não tenho esperança. Não consigo alimentar a minha família com o que ganho, não chega." Ruth Mcdowall/Billy McTernan
Mariam é cabeleireira. Após o surto, teve de colocar um balde com lixívia à porta para lavar as mãos antes e depois de tocar no cabelo de uma cliente. Aos poucos, os clientes deixaram de aparecer.
Mariam é cabeleireira. Após o surto, teve de colocar um balde com lixívia à porta para lavar as mãos antes e depois de tocar no cabelo de uma cliente. Aos poucos, os clientes deixaram de aparecer. Ruth Mcdowall/Billy McTernan
“Ainda é preciso estar atento e lembrar as pessoas de lavar sempre as mãos”, diz Djakagbe Kaba, presidente da Associação Guineense para a Redução dos Encargos.
“Ainda é preciso estar atento e lembrar as pessoas de lavar sempre as mãos”, diz Djakagbe Kaba, presidente da Associação Guineense para a Redução dos Encargos. Ruth Mcdowall/Billy McTernan
Ismael abriu uma farmácia há 6 anos. “As pessoas tinham medo de ir ao hospital pois vários médicos estavam a morrer infectados com o vírus. Receavam ficar infectadas”, diz Ismael.
Ismael abriu uma farmácia há 6 anos. “As pessoas tinham medo de ir ao hospital pois vários médicos estavam a morrer infectados com o vírus. Receavam ficar infectadas”, diz Ismael. Ruth Mcdowall/Billy McTernan
“Durante o surto, não acontecia nada. Ficámos esgotados”, diz o taxista Bangoura. “As pessoas vinham ter connosco e diziam ‘Vocês têm de arranjar uns baldes e lavar as mãos...’. Fartámo-nos."
“Durante o surto, não acontecia nada. Ficámos esgotados”, diz o taxista Bangoura. “As pessoas vinham ter connosco e diziam ‘Vocês têm de arranjar uns baldes e lavar as mãos...’. Fartámo-nos." Ruth Mcdowall/Billy McTernan