Diz que a dança portuguesa tem um novo ponto de efervescência
O estado de uma arte que irradia a partir do Porto começa esta quinta-feira e a ser mostrado no novo festival DDD — Dias da Dança.
No final da década de 80, quando Né Barros decidiu que participaria à distância de 300 quilómetros nesse fenómeno a que depois se chamou – com letras maiúsculas – Nova Dança Portuguesa, “não havia nada no Porto” que à partida pudesse fixar uma coreógrafa formada num “discurso mais contemporâneo”. Um salto quântico depois, a cidade está irreconhecível ao ponto de se dizer que é o novo ponto de efervescência da dança portuguesa, um statement que o novo DDD – Dias da Dança, organizado em parceria com as vizinhas Gaia e Matosinhos, tratará de confirmar até ao próximo dia 7.
Depois da pré-abertura para o público escolar, o festival comissariado por Tiago Guedes – também director do Teatro Municipal do Porto, o lugar que ao longo do último ano e meio mais trabalhou para tornar óbvia essa transformação – ocupa a partir desta quinta-feira salas de espectáculos, escolas e até o espaço público das três cidades. Com a vontade explícita de pôr no mapa nacional e internacional (há vários programadores europeus confirmados) uma comunidade especialmente activa que vai da geração de Né Barros à geração acabada de sair da escola que a coreógrafa então fundou com a irmã – a também coreógrafa Isabel Barros –, o Balleteatro. “Lembro-me de concluirmos as duas que não havia vantagem nenhuma em estarmos sozinhas na cidade – era assim que nos sentíamos. Quando eu comecei a coreografar não havia no Porto intérpretes de dança de contemporânea. Tivemos de os formar”, recorda ao PÚBLICO.
Em parte por ter-se concentrado no projecto Balleteatro, Né Barros acabou por nunca “investir a tempo inteiro numa carreira como coreógrafa” e foram escassas as oportunidades que teve de se “apresentar em contextos mais internacionais”. Também por isso, poder mostrar hoje no DDD a remontagem da peça que em 2001 criou para uma companhia de dança lituana, Million (Coliseu do Porto, 19h), é especialmente entusiasmante. “A dança no Porto já teve outros momentos de grande intensidade – do ponto de vista da programação, por exemplo, com os anos Isabel Alves Costa no Rivoli –, mas acho que neste momento há mais gente do que nunca a fazer coisas e que a comunidade é mais consistente”, avalia.
O seu Balleteatro – de resto parceiro do festival para o módulo outdoors, que também se inicia esta quinta-feira com performances de Né Barros, Catarina Félix e Ana Rita Teodoro, respectivamente no Metro da Trindade, no Largo dos Lóios e na Rua 31 de Janeiro – teve um papel nesse coming out. “Foi um trabalho de missão, fez-se com muitas dificuldades. Sabíamos que ia dar muita luta – e demorou de facto décadas a produzir resultados como os que vemos agora. Muitos dos novos coreógrafos que estão a transformar o Porto nesta cidade efervescente com imensa gente a mexer, e que é de facto um caso especial no país, passaram pelo Balleteatro.”
É o caso de Bruno Senune, o primeiro dos novos a entrar em cena no festival: o seu primeiro solo, Kid as King estreia-se esta sexta-feira às 18h30 na mala voadora (repete sábado, 30, às 15h), um espaço que considera perfeito por estar exactamente no limbo entre o institucional e o alternativo. Mostrar-se logo à primeira num festival internacional em que figuram nomes como Raimund Hoghe e Ambra Senatore – e figuras fundadoras da dança contemporânea portuguesa como Vera Mantero e João Fiadeiro – terá um certo peso, mas ele diz que não o sente: “Claro que o contexto do festival é super positivo – como espectador, sei que vão ser duas semanas muito enriquecedoras –, mas estou focado no que tenho de dizer.”
A dança do Porto pode estar a viver os seus dez dias de fama, sim, mas a crise continua, sublinha afinal o solo de Bruno Senune. “Kid as King é a viagem de uma figura em sufoco num espaço muito cerrado. Como se alguém te estivesse sempre a apertar as costas por trás: acho que é assim que nos sentimos todos.”