Linklater conversa sobre coisa nenhuma
Como se Todos Querem o Mesmo fosse uma reacção de Linklater ao sucesso “institucional” de Boyhood, e à seriedade temática e sentimental desse filme opusesse agora um objecto mais estraga-albardas.
Há em muitos filmes de Richard Linklater uma especificidade americana muito “local”, que ele acentua filmando normalmente sem se afastar de uma geografia precisa (a sua “base”, Austin, Texas), e que não corresponde necessariamente àquela parte da América e da cultura americana com que o resto do mundo - mesmo culturalmente “americanizado” - se relaciona com facilidade. O que talvez possa ser ilustrado pelo facto de Linklater só se ter realmente começado a impor internacionalmente com Antes do Amanhecer - filme “internacional”, a fazer a ponte com a Europa - quando antes disso já tinha assinado dois títulos de culto, Slacker e Dazed And Confused, no princípio dos anos 90, retratos de uma fatia da juventude americana cheios - eventualmente demasiado - de espírito do tempo e do lugar.
Pensamos nisso a propósito de Todos Querem o Mesmo, que Linklater associa, como uma “sequela” espiritual, a Dazed and Confused, e se centra num grupo de rapazes, basebolistas da equipa da sua universidade, durante umas férias de Verão nos anos 80. A “period piece” é o que mais importa, cheia de detalhes de “reconstituição”, do guarda-roupa às referências e ao mau gosto, passando, a propósito de mau gosto, pelas canções da banda sonora (o título original, já agora, vem de uma canção dos Van Halen...).
As personagens são uma mistura estranha de nerds e “xungas”, não necessariamente parvos ou burros, mas sempre numa vulgaridade que de tão típica e característica não tem nada de imprevisível (o basebol, a única coisa que a América ainda não conseguiu vender ao resto do mundo), e que Linklater trata com uma bonomia que já não pode - ou já não consegue - ser tão genuinamente “anarca” como era nesses filmes do princípio dos anos 90. Fica só um simulacro disso, como se Todos Querem o Mesmo fosse uma reacção de Linklater ao sucesso “institucional” de Boyhood, e à seriedade temática e sentimental desse filme opusesse agora um objecto mais estraga-albardas, um momento de “caos” juvenil por oposição à aprendizagem da maturidade em Boyhood. Linklater escreve bem, e os muitos diálogos e cenas de grupo tem por vezes alguma graça pela maneira como a conversa desvia e varia, mas não escreve tão bem nem tão delirantemente como Tarantino, mestre da conversa sobre coisa nenhuma - e no fundo era isso, “conversa sobre coisa nenhuma”, que este filme queria ser. Queria ser e é, mas sem dar assim tanto gozo.