A divina interrupção

Em Almoçageme o trabalho é que é a interrupção.

O segredo de Almoçageme é a interrupção. As interrupções são tratadas como divindades. Ou, no mínimo, milagres.

No resto do mundo as interrupções são vistas como interrupções. Aqui são acolhidos como intervalos bem-vindos que fazem o favor de boicotar temporariamente as nossas obrigações.

A resposta de Almoçageme à queixa universal de ninguém ter tempo para nada é a seguinte: só os outros, de quem gostamos, nos dão tempo para respirar, falar e mostrar que gostamos uns dos outros.

A interrupção é, mais do que um simples alívio, uma salvação do esgotamento que provocam a pressa e os deveres que imaginamos ser os nossos deveres, mais as nossas culpas cheias de preconceitos.

Em Almoçageme o trabalho é que é a interrupção. Trabalhamos todos muito, para ajudar quem precisa (não necessariamente a começar por nós mas incluindo-nos obrigatoriamente).

Mas a única coisa que conta e transborda nas nossas almas famintas de comunidade é o tempo que roubamos às nossas durações pateticamente vitalícias para passar esse mesmo tempo com as pessoas que nos dão vida só por escolherem viver connosco.

O tempo é um diabo que é fácil venerar. A concentração é uma divindade que paga dividendos. Mas a interrupção é uma prova de vida.

Não há nada que valha mais do que a interrupção. O gajo ou a gaja de Porlock que impediu Coleridge de continuar a escrever o poema Kubla Kahn no fim do século XVIII fez-lhe (e fez-nos) um enorme favor: o de acabar.

Bem.

 

 

 

 

 

 

 

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